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ONG indica deterioração global da liberdade de informação

Kay-Alexander Scholz (md)12 de fevereiro de 2015

Relatório anual da Repórteres sem Fronteiras aponta piora generalizada nas condições de trabalho de jornalistas e da mídia independente no mundo. Brasil melhora no ranking e é considerado "motivo de relativa satisfação".

Foto: AFP/Getty Images/P. Baz

Em seu relatório anual publicado nesta quinta-feira (12/02), a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) indica uma piora generalizada na liberdade de imprensa no mundo. Dois terços dos 180 países avaliados apresentaram piora em seus desempenhos.

Entre as principais razões para a deterioração no ranking de 2015 estão a opressão ou a manipulação dos meios de comunicação em regiões de conflito como Ucrânia, Síria, Iraque e territórios palestinos.

A entidade acusou uma ligeira melhora nas condições de liberdade de imprensa no Brasil, que neste relatório perde para o México seu status de nação "mais letal para jornalistas do Hemisfério Ocidental (para assassinatos diretamente relacionados à profissão)". O país subiu 12 posições, passando do 111° ao 99° lugar.

O topo do ranking é ocupado por Finlândia, Noruega e Dinamarca, principalmente por causa das regras liberais em matéria de acesso à informação governamental e à proteção das fontes jornalísticas. Na Finlândia, os cidadãos têm, desde 2010, até mesmo direito legal a conexão de banda larga a preços acessíveis. O final do ranking se manteve inalterado, sendo ocupado por Eritreia, Coreia do Norte e Turquemenistão – ditaduras que controlam a mídia de seus países.

Segurança nacional como pretexto

A RSF afirma que muitos Estados abusam de uma suposta necessidade da proteção da segurança nacional para impor restrições à liberdade de imprensa. "Onde o controle da informação é um objetivo estratégico da guerra, como atualmente no leste da Ucrânia ou na Síria, os jornalistas são usados como massa de manobra pelas partes envolvidas no conflito", disse o porta-voz da seção da Repórteres Sem Fronteiras em Berlim, Michael Rediske.

O ranking anual da ONG avalia a situação em 180 países, se baseando em um questionário sobre todos os aspectos do jornalismo independente, enviado a centenas de jornalistas, pesquisadores, advogados e militantes da defensa dos direitos humanos em todo o mundo, bem como à sua própria rede de correspondentes.

O total de 87 questões é dividido em quesitos como diversidade da mídia, a independência dos meios de comunicação, ambiente de trabalho jornalístico e de autocensura. Além disso, há a categoria "agressões e atos de violência", pesquisados pela própria entidade. A pesquisa para o mais recente relatório da RSF abrange o período que vai de outubro de 2013 a outubro 2014.

Guerras de informação

Segundo a RSF, muitos dos conflitos armados do ano passado foram conduzidos como guerras de informação, seja em Ucrânia, Síria, Iraque, na guerra entre Israel e Hamas ou no Sudão do Sul. A entidade ressalta que as partes desses conflitos tentam suprimir a mídia como fonte de informação independente ou utilizá-la para sua própria propaganda.

O relatório acusa muitos Estados de alegar ameaças à segurança nacional como justificativa para interferir na liberdade de imprensa e em outros direitos básicos. A Rússia, por exemplo, adotou leis mais repressivas no contexto da guerra com a Ucrânia, incluindo um recrudescimento da proibição de denunciar publicamente a violação da integridade territorial – o que criminalizaria qualquer crítica à anexação da Crimeia. O Cazaquistão adotou uma lei que prevê censura prévia para tempos de agitação social, a fim de evitar protestos como os ocorridos na Ucrânia.

A "proteção da segurança nacional" também serviu de pretexto para que o Exército da Tailândia introduzisse amplas medidas de censura, após o golpe de Estado em maio passado, e para o elevado número de detenções arbitrárias de jornalistas verificado no Egito.

Violência contra jornalistas

Cada vez mais jornalistas são agredidos verbalmente, ameaçados, atacados ou mesmo mortos por reportarem sobre manifestações. Alguns foram até atacados para evitar a publicação de reportagens, outros foram atingidos acidentalmente no fogo cruzado de protestos violentos.

Muitas vezes, esse tipo de violência parte da polícia ou do Exército – como na Ucrânia, durante os protestos da Praça da Independência em Kiev no início de 2014; em protestos na Turquia, assim como em manifestações na Venezuela e em Hong Kong.

Repetidas vezes, jornalistas foram arbitrariamente presos em manifestações no Bahrein, mas também nos distúrbios na pequena cidade de Ferguson, nos EUA. Mesmo quando os repórteres são libertados após curto período de tempo, a medida permanece como uma ameaça.

Grupos não estatais poderosos que não toleram informações desagradáveis, são, em muitos países, uma ameaça mortal para jornalistas, afirma o relatório. Exemplos disso são milícias, como o "Estado Islâmico", na Síria e no Iraque, os extremistas do Boko Haram, na Nigéria, vários grupos islâmicos na Líbia, assim como grupos paramilitares na Colômbia e no México.

Ano "menos violento" no Brasil

No Brasil, jornalistas foram mortos por reportarem sobre questões ligadas a corrupção e ao crime organizado – mesmo que o número de tais assassinatos tenha diminuído, de cinco mortes no ano passado para duas. Segundo a RSF, o Brasil é "motivo de relativa satisfação, tendo subido 12 lugares, passando a ocupar a posição 99 do ranking,

A RSF destaca que o Brasil se posicionou neste ano como "pioneiro na proteção dos direitos civis na internet, com a adoção do Marco Civil da Internet". A entidade destaca, entretanto, que a segurança dos jornalistas e a excessiva concentração dos meios de comunicação "continuam sendo problemas importantes".

A ONG observa também "que durante as manifestações em massa que sacudiram o país, foram registradas numerosas agressões a jornalistas", citando um informe sobre violência contra repórteres da Secretaria de Direitos Humanos do Brasil publicado em março passado. O texto, segundo a RSF, "destaca a responsabilidade das autoridades locais" para essa violência e a "repetição crônica" da impunidade.

Erosão do "modelo europeu"

Uma deterioração significativa da liberdade de imprensa foi verificada em 2014 em alguns Estados da União Europeia. Na Itália, muitos jornalistas foram pressionados por ameaças da máfia, ataques e processos por difamação infundados. Na Bulgária, as autoridades financeiras se basearam em uma lei aprovada a toque de caixa para punir com investigações e multas jornalistas que informam sobre os abusos no setor financeiro.

O aumento da concentração da mídia e intervenção governamental em decisões editoriais ou sobre pessoal continuou a prejudicar a liberdade de imprensa na Hungria. Em Luxemburgo, o jornalismo investigativo foi cerceado por investidas contra o direito de proteção da fonte e fortes vínculos entre política, poderio econômico e mídia.

Passeata em São Paulo em junho de 2014: RSF critica agressões a jornalistas durante protestosFoto: DW/M. Estarque

Censura sob manto religioso

Cada vez mais países usam proibições de blasfêmia ou insulto religioso para suprimir críticas políticas. Este grupo inclui, segundo a RSF, países como Arábia Saudita e Irã, assim como Kuwait e Índia. Em cada um desses países, em 2014, blogueiros e jornalistas foram presos por terem criticado grupos religiosos ou órgãos estatais que tentaram se legitimar religiosamente.

Mesmo muitos dos Estados mais repressivos reforçaram ainda mais a repressão e o controle aos meios de comunicação em 2014, de acordo com o RSF. A China, por exemplo, impôs novas restrições a jornalistas, como uma proibição de "crítica não autorizada" e prendeu proeminentes repórteres e blogueiros, como Gao Yu e Ilham Tohti. No Sudão, o ano foi marcado por detenções arbitrárias, a apreensão de cerca de 50 tiragens de jornal e introdução de censura contra denúncias de corrupção.