ONGs fazem declaração conjunta contra Bolsonaro na ONU
Karina Gomes
10 de março de 2020
É a primeira vez que organizações brasileiras se unem para lançar alerta no Conselho de Direitos Humanos. Manifesto de 70 entidades denuncia "aversão a ativismo", "ataques sexistas contra jornalistas" e outras violações.
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Mais de 70 organizações brasileiras criticaram nesta terça-feira (10/03) no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o que chamam de retrocessos no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro. A declaração conjunta foi lida diante de representantes dos países-membros da ONU e de ONGs globais durante uma sessão sobre "situações de direitos humanos que requerem a atenção do conselho".
"Esta é a primeira intervenção global das organizações brasileiras na ONU. Cada uma tem suas reclamações setoriais, como os direitos dos povos indígenas ou a liberdade de expressão, mas a manifestação de uma insatisfação geral unificada ocorre pela primeira vez", explica Paulo Lugon Arantes, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na Europa, que leu o discurso conjunto.
O texto enfatiza que a "situação dos direitos humanos no Brasil se deteriorou drasticamente no primeiro ano do governo Bolsonaro". "Consolidou-se a aversão ao ativismo, com a extinção e enfraquecimento de mais de 50 órgãos de participação social, fechando ainda mais o espaço da sociedade civil", diz o documento.
Arantes ressalta que nas últimas reuniões da 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, que começou no dia 24 de fevereiro e vai até 20 de março, a Suíça mencionou a situação dos direitos humanos no Brasil e pediu que o país proteja os povos indígenas e promova a participação livre da sociedade civil.
"Quando as organizações falam juntas nessa sessão é para requerer que os outros países comecem a falar sobre o Brasil e que o Conselho de Direitos Humanos tome uma ação firme em relação ao país", afirma o representante do Cimi.
Ataques a jornalistas
Entre as organizações que assinaram o manifesto estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog. A declaração ressalta medidas de austeridade "à custa dos mais pobres" e que tendem a acentuar desigualdades; a negação de políticas de gênero; e o aumento de "ataques sexistas contra jornalistas".
"A escalada dos ataques do presidente Bolsonaro contra jornalistas, sobretudo mulheres, foi denunciada contundentemente hoje na ONU. Pedimos que a comunidade internacional se posicione em favor da liberdade de imprensa e em defesa do direito à informação de interesse público no Brasil", afirmou Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
A declaração conjunta pede que a comunidade internacional dê "urgente atenção" aos retrocessos descritos e desenvolva "ações incisivas" diante do "grave quadro de direitos humanos no Brasil".
"Processo de etnocídio"
No manifesto, as organizações também lançaram um alerta sobre a "paralisação das demarcações de territórios indígenas, quilombolas e tradicionais", que, "aliadas ao discurso de ódio do alto escalão [do Governo] e à resposta às queimadas na Amazônia, levam a um processo de etnocídio".
"As violações constantes dos direitos da população negra no Brasil precisam ser levadas à comunidade internacional", disse em entrevista à DW Wânia Sant'anna, vice-presidente do Conselho Curador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que também assinou o manifesto lido na ONU.
"Não há dúvidas sobre as violações", afirmou, ressaltando os problemas de invasões de territórios quilombolas e assassinatos de quilombolas no país. Em 2018, foram 16 mortes, "devido à especulação fundiária, à mineração e à destruição do ecossistema das comunidades territoriais quilombolas".
Sant'anna viaja ainda nesta semana à Genebra representando 117 organizações do movimento negro no Brasil para denunciar o alto índice de homicídios de pessoas negras – entre 2007 e 2017, foram 453.000 –, além da intolerância religiosa e do aumento de ataques contra terreiros.
Os principais pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Proclamada em 1948, carta é válida para todos os Estados-membros das Nações Unidas. Mas ainda há um longo caminho até que o documento seja implementado para todos, em todo o mundo.
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Direitos iguais para todos (Artigo 1°)
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos." Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O ideal é claro, mas continua muito distante de encontrar aplicação concreta.
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Ter e viver seus direitos (Artigo 2°)
Todos os direitos e liberdades da Declaração se aplicam a todos, que podem invocá-los independente de "raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra condição". No nível internacional, contudo, é quase impossível reivindicar esses direitos.
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Direito à vida e à liberdade (Artigos 3°, 4°,5°)
"Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." (3°) "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão." (4°) "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante" (5°).
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Igualdade perante a lei (Artigo 6° a 12)
Toda pessoa tem direito a um julgamento justo e à proteção da lei (6°, 8°, 10, 12). Todos são considerados inocentes até que a sua culpabilidade seja comprovada (11). "Todos são iguais perante a lei" (7°) e "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" (9°).
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Ninguém é ilegal (Artigos 13, 14, 15)
"Todo indivíduo tem o direito de livremente circular e escolher o seu domicílio dentro de um Estado". "Todos têm o direito de deixar qualquer país" (13). "Toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar asilo em outros países" (14). "Todo indivíduo tem o direito a ter uma nacionalidade" (15).
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Contra os casamentos forçados (Artigo 16)
Homens e mulheres têm direitos iguais antes, durante e depois do casamento. Um casamento "será válido somente com o livre e pleno consentimento dos futuros esposos". A família tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Mais de 700 milhões de mulheres em todo o mundo vivem em um casamento forçado, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
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Direito à propriedade (Artigo 17)
"Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, à propriedade. Ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua propriedade." Ainda assim, seres humanos são expulsos de suas terras em todo o mundo, por não terem documentos válidos – a fim de abrir caminho para o desenvolvimento urbano, a extração de matérias primas, a agricultura, ou para uma barragem de hidrelétrica, como no Brasil.
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Liberdade de opinião (Artigos 18, 19, 20)
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião" (18). "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão" (19). "Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas" (20).
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Direito à participação (Artigos 21, 22)
"Todo indivíduo tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" (21). Há um "direito à segurança social" e garantia de direitos econômicos, sociais e culturais, "que são indispensáveis à dignidade" (22).
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Direito ao trabalho (Artigos 23 e 24)
"Toda pessoa tem direito ao trabalho". "Toda pessoa tem direito a igual remuneração por igual trabalho". "Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória" e pode participar de um sindicato (23). "Toda pessoa tem direito ao lazer" (24).
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Uma vida digna (Artigo 25)
"Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais necessários". "A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais." No mundo inteiro, mais de 2 bilhões estão subnutridos, mais de 800 milhões passam fome.
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Direito à educação (Artigo 26)
"Toda pessoa tem direito à educação". O ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito para todos. "A educação deve ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do respeito aos direitos humanos." Na prática, 750 milhões de pessoas no mundo são analfabetas, das quais 63% são mulheres e 14% são jovens entre 15 e 24 anos, afirma o relatório sobre educação da Unesco.
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Arte e ciência (Artigo 27)
"Toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico". Todos os "autores de obras de ciência, literatura ou arte" estão protegidos legalmente. Hoje, a distribuição digital de muitas obras é algo controverso. Muitos autores veem seus direitos autorais violados pela distribuição na internet.
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Direitos indivisíveis (Artigos 28, 29, 30)
"Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades possam ser plenamente realizados" (28). "Toda pessoa tem deveres para com a comunidade" (29). Nenhum Estado, grupo ou pessoa pode limitar os direitos humanos universais (30). Todos os Estados-membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.