Uma série de países vem tentando limitar o trabalho de entidades da sociedade civil. No Brasil, monitoramento de organizações internacionais no governo Bolsonaro preocupa observadores.
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ONGs estrangeiras estão sob pressão no governo do presidente Jair Bolsonaro. Por decreto, ele atribuiu ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, a tarefa de monitorar e coordenar as atividades de organizações internacionais.
A medida preocupou organizações como a Anistia Internacional (AI). Para a diretora executiva da AI no Brasil, Jurema Werneck, as ONGs são cruciais para controlar o trabalho de instituições democráticas.
"No Brasil, precisamos partir claramente do princípio que Bolsonaro colocará em prática todo seu ódio e raiva contra ONGs, movimentos sociais e tudo que é emancipatório de esquerda e usará o aparato governamental para a repressão", afirma Barbara Unmüßig, presidente da Fundação Heinrich Böll, organização política alemã sem fins lucrativos.
Com seus planos, o Brasil se une aos países que nos últimos anos vêm tentando limitar a atuação de ONGs. A lista inclui Rússia, China, Índia, Egito, Hungria, Nicarágua e Etiópia.
A repressão ocorre de diversas formas. Na Índia, por exemplo, o Greenpeace, teve suas contas bloqueadas em 2014. Já a China apertou o cerco contra entidades no ano passado, ao endurecer a legislação. O país criou um sistema de pontos para classificar as organizações de acordo com seu comportamento político, indo do desejado ao indesejado.
"Na China, nos disseram para darmos aulas de inglês para crianças. A ajuda apolítica era bem-vinda", conta Unmüßig. Porém, a situação se tornava crítica a partir do momento em que abordagens políticas eram adotadas, entre elas aqueles que visam ao fortalecimento da sociedade civil.
Na Rússia, desde 2012, organizações precisam se registrar como "agentes estrangeiros". Em 2017, a obrigatoriedade do registro foi ampliada para empresas de mídia estrangeiras.
Na Etiópia, por sua vez, entrou em vigor em 2009 uma legislação que limita fortemente o trabalho de atores da sociedade civil e impõe penas duras em casos de infração. Devido a essa lei, em 2012, a Fundação Heinrich Böll encerrou suas atividades no país africano.
Para a Anistia Internacional, o mundo enfrenta uma progressiva despolitização de ONGs. As organizações são dividas em boas, quando são orientadas para serviços, e más, quando trabalham com temas políticos, aponta a AI.
O objetivo da repressão é calar vozes críticas e protestos, diz Unmüßig. "Há pelo menos dez ou 15 anos, há uma tendência de governos reprimirem manifestações sociais e ambientais promovidas pela sociedade civil emancipadora", acrescenta.
A cientista política Annika Poppe, do Instituto para Pesquisa sobre Paz de Frankfurt, destaca, no entanto, que, em alguns países, a interferência estrangeira não é mal vista somente pelo governo, mas também por uma grande parcela da população devido ao passado colonial.
"Para as ONGs, se trata do direito à liberdade de expressão e de reunião, do direito de ser politicamente ativo sem ter medo", afirma.
Unmüßig observa o aumento das restrições ao trabalho de ONGs não somente em países autoritários ou com "democracias gerenciadas". A cientista política viu casos preocupantes também na Alemanha, como o da organização crítica à globalização Attac – que não teve reconhecido em 2014 seu status de utilidade pública – ou o da Ajuda Ambiental Alemã, que teme cortes nos repasses federais. "Isso é um ataque à independência da sociedade civil", opina.
Já Poppe remete aos Estados Unidos, onde em 2010 um político republicano foi condenado com base numa lei de 1938, criada contra a propaganda nazista, por ter ocultado o trabalho que realizou para uma instituição de caridade islâmica. Em 2017, novamente a lei foi usada para justificar o registro da emissora de televisão russa Russia Today como "agente estrangeiro".
Apesar do atual cenário, Unmüßig acredita que essa tendência de restrição ao trabalho das ONGs será contido e pede mais apoio estatal. "Precisamos lembrar os governos do Ocidente de que parte da política externa deve consistir em insistir nos direitos humanos e em margens de manobra de ação para uma sociedade civil livre."
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Os principais pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Proclamada em 1948, carta é válida para todos os Estados-membros das Nações Unidas. Mas ainda há um longo caminho até que o documento seja implementado para todos, em todo o mundo.
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Direitos iguais para todos (Artigo 1°)
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos." Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O ideal é claro, mas continua muito distante de encontrar aplicação concreta.
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Ter e viver seus direitos (Artigo 2°)
Todos os direitos e liberdades da Declaração se aplicam a todos, que podem invocá-los independente de "raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra condição". No nível internacional, contudo, é quase impossível reivindicar esses direitos.
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Direito à vida e à liberdade (Artigos 3°, 4°,5°)
"Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." (3°) "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão." (4°) "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante" (5°).
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Igualdade perante a lei (Artigo 6° a 12)
Toda pessoa tem direito a um julgamento justo e à proteção da lei (6°, 8°, 10, 12). Todos são considerados inocentes até que a sua culpabilidade seja comprovada (11). "Todos são iguais perante a lei" (7°) e "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" (9°).
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Ninguém é ilegal (Artigos 13, 14, 15)
"Todo indivíduo tem o direito de livremente circular e escolher o seu domicílio dentro de um Estado". "Todos têm o direito de deixar qualquer país" (13). "Toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar asilo em outros países" (14). "Todo indivíduo tem o direito a ter uma nacionalidade" (15).
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Contra os casamentos forçados (Artigo 16)
Homens e mulheres têm direitos iguais antes, durante e depois do casamento. Um casamento "será válido somente com o livre e pleno consentimento dos futuros esposos". A família tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Mais de 700 milhões de mulheres em todo o mundo vivem em um casamento forçado, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
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Direito à propriedade (Artigo 17)
"Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, à propriedade. Ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua propriedade." Ainda assim, seres humanos são expulsos de suas terras em todo o mundo, por não terem documentos válidos – a fim de abrir caminho para o desenvolvimento urbano, a extração de matérias primas, a agricultura, ou para uma barragem de hidrelétrica, como no Brasil.
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Liberdade de opinião (Artigos 18, 19, 20)
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião" (18). "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão" (19). "Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas" (20).
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à participação (Artigos 21, 22)
"Todo indivíduo tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" (21). Há um "direito à segurança social" e garantia de direitos econômicos, sociais e culturais, "que são indispensáveis à dignidade" (22).
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Direito ao trabalho (Artigos 23 e 24)
"Toda pessoa tem direito ao trabalho". "Toda pessoa tem direito a igual remuneração por igual trabalho". "Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória" e pode participar de um sindicato (23). "Toda pessoa tem direito ao lazer" (24).
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Uma vida digna (Artigo 25)
"Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais necessários". "A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais." No mundo inteiro, mais de 2 bilhões estão subnutridos, mais de 800 milhões passam fome.
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à educação (Artigo 26)
"Toda pessoa tem direito à educação". O ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito para todos. "A educação deve ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do respeito aos direitos humanos." Na prática, 750 milhões de pessoas no mundo são analfabetas, das quais 63% são mulheres e 14% são jovens entre 15 e 24 anos, afirma o relatório sobre educação da Unesco.
Foto: DW/H. Hashemi
Arte e ciência (Artigo 27)
"Toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico". Todos os "autores de obras de ciência, literatura ou arte" estão protegidos legalmente. Hoje, a distribuição digital de muitas obras é algo controverso. Muitos autores veem seus direitos autorais violados pela distribuição na internet.
Foto: AP
Direitos indivisíveis (Artigos 28, 29, 30)
"Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades possam ser plenamente realizados" (28). "Toda pessoa tem deveres para com a comunidade" (29). Nenhum Estado, grupo ou pessoa pode limitar os direitos humanos universais (30). Todos os Estados-membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.