ONU denuncia execuções sumárias cometidas pelo Talibã
24 de agosto de 2021
Comissária para os direitos humanos afirma ter recebido relatos confiáveis da ocorrência no Afeganistão de execuções de civis e ex-soldados do antigo regime, além de restrições às mulheres impostas pelo grupo islâmico.
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A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, alertou nesta terça-feira (24/08) ter recebido relatos confiáveis de graves abusos em áreas controladas pelo Talibã no Afeganistão, incluindo execuções sumárias' de civis e de membros das forças de segurança que depuseram suas armas, além de restrições sofridas por mulheres.
Falando durante uma sessão emergencial sobre o Afeganistão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Bachelet apelou para que o órgão, sediado em Genebra, na Suíça, tome uma atitude "ousada e vigorosa" para monitorar a situação dos direitos no Afeganistão, onde a tomada relâmpago do poder pelo Talibã levantou temores de que eles irão devolver o país ao regime brutal imposto quando o grupo esteve no poder pela última vez.
Quando governou o Afeganistão entre 1996 e 2001, o Talibã confinava as mulheres em suas casas, proibiu a televisão e música, cortava as mãos de supostos ladrões, promovia apedrejamentos e execuções públicas.
Os líderes do Talibã prometeram recentemente restaurar a segurança e tentaram projetar uma imagem de moderação nos últimos dias. Mas muitos afegãos veem tal postura com ceticismo e estão correndo para deixar o país, provocando caos no aeroporto internacional de Cabul.
"A responsabilidade agora recai totalmente sobre o Talibã para traduzir esses compromissos em realidade'', disse Bachelet ao conselho de 47 Estados-membros e que é o principal órgão de direitos humanos da ONU.
"Medidas ousadas"
"Neste momento crítico, o povo do Afeganistão olha para o Conselho de Direitos Humanos para defender e proteger seus direitos'', disse ela. "Eu exorto esse conselho a tomar medidas ousadas e vigorosas, proporcionais à gravidade desta crise, estabelecendo um mecanismo destinado a monitorar de perto a evolução da situação dos direitos humanos no Afeganistão.''
Por "mecanismo", Bachelet se refere à possibilidade de o conselho nomear uma comissão de inquérito, relator especial ou missão de investigação sobre a situação no Afeganistão.
Além de relatos de execuções sumárias de civis e antigos membros das forças de segurança que não estavam mais em combate, Bachelet citou relatos de recrutamento de crianças para servirem como soldados e restrições aos direitos das mulheres de se locomoverem e de meninas para irem à escola. Ela citou ainda repressão de protestos pacíficos e de manifestações de dissidência.
Em meio a relatos dispersos, tem sido difícil determinar o quão generalizados são os abusos e se eles refletem que os líderes do Talibã estão dizendo uma coisa e fazendo outra.
Buscas de porta em porta
Dias antes, um grupo de inteligência privado baseado na Noruega que fornece informações à ONU, disse ter obtido evidências de que o Talibã tem promovido caçadas a dissidentes de porta em porta, prendendo afegãos que constavam em uma lista negra de pessoas que eles acreditam ter trabalhado em funções-chave da administração anterior do Afeganistão ou com as forças lideradas pelos EUA.
Vários afegãos estão escondidos, dizendo temer tais represálias, que ocorrem também contra jornalistas e suas famílias, como no caso de um ataque a parentes de um membro da redação da DW que hoje mora na Alemanha, que deixou um morto e uma pessoa gravemente ferida.
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Relatório aquém do esperado
Os países no Conselho de Direitos Humanos da ONU elaboraram uma resolução conjunta, que deve ser aceita por consenso, mas que fica muito aquém das reivindicações de alguns grupos de defesa dos direitos humanos, que pleiteiam a nomeação de um especialista em direitos humanos para monitorar a situação. O texto pede ao escritório de Bachelet que emita um relatório apenas no início do próximo ano.
Líderes das nações do Grupo dos Sete (G7) agendaram reunião para esta na terça-feira
para discutir a crescente crise de refugiados e o colapso do governo afegão em meio a discussões sobre se a retirada completa das tropas dos EUA pode ser estendida para além do final do mês para permitir a remoção de mais pessoas em situação de risco.
Funcionários do governo dos Estados Unidos se recusaram a definir se uma ampliação do prazo para retirada é algo provável ou mesmo possível, diante da afirmação de um porta-voz do Talibã alertando que o dia 31 de agosto é uma "linha vermelha'' e que estender a presença americana "provocaria uma reação''.
md/lf (AP, AFP)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.