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ONU pede reformas urgentes para combater racismo no Brasil

24 de novembro de 2020

Alto Comissariado para os Direitos Humanos condena morte de Beto Freitas em Carrefour como ato deplorável e insta governo brasileiro a reconhecer o racismo persistente no país. "É o primeiro passo para combatê-lo."

Manifestante de máscara carrega cartaz com os dizeres "Somos negros livres"
Morte de João Alberto Silveira Freitas provocou protestos contra a injustiça racial em Porto Alegre e em outras cidadesFoto: Diego Vara/Reuters

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos condenou nesta terça-feira (24/11) o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, ocorrido num supermercado Carrefour em Porto Alegre, como "deplorável" e uma triste amostra do racismo estrutural que aflige o país.

Segundo a entidade, a morte do homem negro de 40 anos "é um exemplo extremo, mas infelizmente muito comum, da violência sofrida pelos negros no Brasil".

O crime "oferece uma ilustração nítida da persistente discriminação e racismo estruturais que as pessoas de ascendência africana enfrentam", prossegue Ravina Shamdasani, porta-voz da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em comunicado.

"O legado do passado ainda está presente na sociedade brasileira, assim como em outros países. Os negros brasileiros enfrentam racismo, exclusão, marginalização e violência estrutural e institucional, com – em muitos casos – consequências letais. Os afro-brasileiros são excluídos e quase invisíveis das estruturas e instituições de tomada de decisão", destaca o texto.

Beto Freitas foi morto na quinta-feira passada, 19 de novembro, por dois seguranças de uma unidade do Carrefour, dois homens brancos, que o espancaram até a morte no estacionamento do supermercado localizado no bairro Passo D'Areia, na capital gaúcha.

"Esse ato deplorável, que aconteceu tragicamente na véspera do Dia da Consciência Negra no Brasil, deve ser condenado por todos", diz o texto das Nações Unidas.

A porta-voz de Bachelet afirma ainda que o governo brasileiro "tem uma responsabilidade particular de reconhecer o problema subjacente do persistente racismo no país, pois este é o primeiro passo essencial para resolvê-lo".

O apelo veio após o presidente Jair Bolsonaro, dois dias depois do crime, usar linguagem típica de teóricos da conspiração para denunciar o que chamou de tentativa de gerar tensões raciais artificiais no Brasil. Segundo ele, a luta por igualdade ou justiça social mascara uma busca pelo poder.

O vice-presidente Hamilton Mourão, por sua vez, declarou que não existe racismo no país, ao ser questionado se a morte pode ter sido motivada por questões raciais. "Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo", disse Mourão no Dia da Consciência Negra, um dia após o crime.

Michelle Bachelet é alta comissária da ONU para os Direitos HumanosFoto: picture-alliance/Keystone/S. Di Nolfi

O Alto Comissariado da ONU continua sua declaração afirmando que "o racismo, a discriminação e a violência estruturais contra afrodescendentes no Brasil são documentados por dados oficiais, que indicam que o número de vítimas afro-brasileiras de homicídio é desproporcionalmente maior do que outros grupos", e que negros também são maioria nas prisões brasileiras.

Assim, a entidade pede que a investigação da morte seja "rápida, completa, independente, imparcial e transparente", a fim de assegurar a justiça e a verdade, bem como a devida "reparação" para a família de Silveira Freitas.

Também solicita às autoridades que investiguem quaisquer alegações de uso desnecessário e desproporcional da força contra pessoas que protestam pacificamente após o episódio no Carrefour.

"Este caso e a indignação generalizada que ele provocou destacam a necessidade urgente das autoridades brasileiras de combater o racismo e a discriminação racial em estreita coordenação com todos os grupos da sociedade, especialmente os mais afetados", diz o comunicado.

"Estereótipos raciais profundamente enraizados"

A porta-voz destaca ainda que o Brasil necessita de "reformas urgentes nas leis, instituições e políticas, incluindo ações afirmativas". "Os estereótipos raciais profundamente enraizados, inclusive entre os funcionários da polícia e do judiciário, devem ser combatidos", completa.

"As autoridades também devem intensificar a educação em direitos humanos, a fim de promover uma melhor compreensão das raízes do racismo, e fazer um maior esforço para encorajar o respeito à diversidade e o multiculturalismo, e promover um conhecimento mais profundo da cultura e história dos afro-brasileiros, bem como de sua contribuição para a sociedade brasileira."

Contudo, a ONU observa que, embora o Estado tenha o "dever de prevenir e reparar as violações dos direitos humanos", as empresas, como o Carrefour, também têm a "responsabilidade de respeitar os direitos humanos em todas as suas operações e relações comerciais".

"Essa responsabilidade exige que uma empresa conduza a devida diligência para prevenir, identificar e mitigar os riscos para os direitos humanos, incluindo na contratação de segurança privada", diz a porta-voz, lembrando que o Carrefour faz parte do Pacto Global da ONU, iniciativa para encorajar empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade.

Dessa forma, a rede de supermercados "deve explicar se – e como – avaliou os riscos para os direitos humanos associados à contratação da empresa, e que medidas tomou para mitigar tais riscos a fim de prevenir uma tragédia como esta", instou a entidade das Nações Unidas.

O Carrefour qualificou a morte de brutal e comunicou que irá romper o contrato com a empresa de segurança e demitir funcionários envolvidos no caso. A empresa também anunciou a criação de um fundo de R$ 25 milhões para combater o racismo.

Os negros representam 56% da população brasileira e também são os que mais morrem, ganham menos e sofrem mais com o desemprego no país. Segundo dados do Atlas da Violência 2020, 75% das vítimas de homicídios no Brasil em 2018 eram negras.

A taxa de homicídios de negros no país subiu de 34 assassinatos por 100 mil habitantes, em 2008, para 37,8, em 2018, um aumento de 11,5% na década, enquanto o número de assassinatos entre não negros caiu 12,9% no mesmo período.

EK/ots

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