Aliados de Dilma Rousseff, como Renan Calheiros, também estão entre os alvos da ação. Segundo especialistas, sigla pode retaliar caso se sinta acuada, o que aumenta risco de instabilidade no governo.
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Embora o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tenha sido o alvo mais notório da mais nova fase da Operação Lava Jato deflagrada nesta terça-feira (15/12), a ação da Polícia Federal também conseguiu atingir as principais alas do PMDB – inclusive setores que ainda estão alinhados com o governo. Segundo especialistas, a nova etapa pode ter efeitos graves para o Planalto e provocar desde uma nova paralisia no governo até uma debandada dos membros da sigla que ainda apoiam Dilma Rousseff.
Além de realizar buscas na residência de Cunha, os agentes também cumpriram mandados de busca e apreensão nas casas dos ministros Celso Pancera (Ciência e Tecnologia) e Henrique Alves (Turismo). Pancera é ligado à ala fluminense do PMDB e foi indicado ao cargo pelo deputado Leonardo Picciani, um dos mais notórios aliados de Dilma no partido. Já Alves continuava defendendo o governo no início desta semana. O ministro também é ligado ao vice-presidente Michel Temer, que está praticamente rompido com o governo e vem sendo cortejado por membros da oposição. Outro atingido pela operação foi o senador Edison Lobão, da ala maranhense do PMDB, ainda alinhada com o governo.
Entre os mais notórios membros favoráveis ao governo atingidos pela PF nesta terça-feira está o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que é tido como um dos principais aliados de Dilma com força para barrar o impeachment. Agentes realizaram uma ação de busca e apreensão na sede do diretório do PMDB em Alagoas, que é comandado por Calheiros. A PF também realizou ações contra o deputado Aníbal Gomez (PMDB-CE) e Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, ambos ligados a Calheiros.
De acordo com especialistas, a ação que atingiu Calheiros pode precipitar o início de um novo conflito do senador com o Planalto. Apesar de não compactuar com o colega de partido Cunha, Calheiros sempre esteve alinhado com o deputado quando se tratou de acusar a Procuradoria-Geral da República e a PF de seletividade nas ações da Lava Jato. No início do ano, quando o nome do senador apareceu pela primeira vez na lista de suspeitos de integrar o núcleo da quadrilha que desviou recursos da Petrobras, Calheiros acusou o governo de influenciar as investigações da Lava Jato.
Como consequência, o senador retaliou o governo e chegou a devolver ao planalto uma medida provisória que fazia parte dos esforços de ajuste fiscal. A tensão provocada pelo episódio entre o Planalto e o senador só esfriou após meses de negociações.
"Apesar de ter atingido Cunha, que é um notório inimigo do Planalto, a operação também acertou em cheio vários membros da sigla que ainda estavam com o governo. Isso deve provocar uma reação do partido. Uma das consequências pode ser a saída de vez daqueles que ainda seguem ocupando ministérios e outros cargos do governo", afirma o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Já o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que a nova fase deve no mínimo complicar ainda mais a relação do PMDB com o Planalto. "O efeito imediato deve ser uma nova paralisia nas relações entre o partido e o governo. O PMDB costuma retaliar quando se sente acuado. Alguns setores podem passar a cobrar uma posição mais dura do vice-presidente Michel Temer, que já está em conflito com o governo", afirma.
Em nota, o Planalto afirmou que espera que os fatos investigados "sejam esclarecidos o mais breve possível, e que a verdade se estabeleça". No passado, vários membros do PT criticaram as ações da PF e acusaram o órgão e a PGR de agirem de maneira seletiva contra o partido.
De acordo com Perissinotto, isso não deve fazer qualquer diferença. "Os nomes influentes do PMDB não ligam se as operações da PF também costumam atingir petistas. É claro que a presidente Dilma Rousseff nunca tentou interferir nas ações, nem para livrar membros do seu partido e nem para atingir adversários, mas isso não faz diferença nos cálculos do PMDB", afirma.
Em coletiva de imprensa, Cunha descartou uma possível renúncia e disse ter ficado surpreso com a operação da PF nesta terça-feira. "Não estou nem um pouco preocupado. Normal, natural, mas estranho profundamente essa concentração no PMDB", disse ele. "Todo dia tem denúncia e caixa 2 do PT. De repente, fazer uma operação com o PMDB causa estranheza a todos nós. Quem for um pouco inteligente sabe que no dia de hoje, às vésperas da decisão do processo de impeachment, tem alguma coisa de estranha no ar."
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.