Eu bem que gostaria de escrever que finalmente alguma coisa deu certo na hora de implementar decisões europeias. Mas, mais uma vez, isso não é verdade. Poucas horas antes de os primeiros refugiados serem enviados de volta da Grécia para a Turquia, ninguém sabe dizer se esse procedimento é legal e como ele vai ocorrer na prática.
Os chefes de Estado e de governo da União Europeia (UE) e o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, fecharam, em 18 de março, um pacto para subir as pontes levadiças da fortaleza Europa. O plano para fechar a fronteira marítima entre a Turquia e a Grécia prevê que a Grécia consiga, em poucos dias, o que não se fez durante anos: implementar um processo de asilo justo, tanto do ponto de visa humano como jurídico.
Além disso, a Turquia deve assegurar que refugiados e requerentes que tiverem seu asilo negado na UE usufruam da proteção a que eles têm direito, segundo a Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados e o Direito internacional. Além disso, os países-membros da UE devem enviar milhares de funcionários para as ilhas gregas e para a Turquia para garantir que o procedimento seja ordenado. Disso tudo, muito pouco saiu do papel.
Na última hora, ao longo deste fim de semana, tenta-se conseguir um milagre administrativo e técnico para encontrar as peças que faltam do quebra-cabeça. Diplomatas europeus estão na Turquia para as negociações. A Comissão Europeia não arreda pé da meta de começar na próxima segunda-feira (04/03) o transporte de refugiados de Lesbos para a Turquia. Ela enfrenta uma pressão enorme e quer mostrar serviço.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) renovou sua crítica de que o processo sumário previsto no acordo, os possíveis centros de deportação e as deportações em massa são questionáveis do ponto de vista legal. A UE não está preocupada com isso – se algo não convém, faça como achar conveniente.
Em Bruxelas, ninguém quer de fato saber o que a Turquia faz com refugiados sírios, requerentes de asilo do Iraque ou do Afeganistão. A cúpula sobre os refugiados decidiu que o problema deve ser empurrado para outro lugar. E isso é tudo.
O fato de os países-membros da UE não se importarem com o que eles mesmos decidiram há duas semanas diminui ainda mais a confiança no clube. Funcionários prometidos não foram enviados. Apenas 70 funcionários da União Europeia estão de fato na Grécia. E segue sendo um mistério da Comissão Europeia como os refugiados e requerentes a serem enviados de volta terão garantidos o direito de serem ouvidos e um processo dentro dos padrões da União Europeia.
Nas ilhas gregas, há cerca de 800 pessoas que devem ser enviadas de volta para a Turquia. E novas embarcações com refugiados continuam chegando. A dissuasão já está funcionando, pois o número de pessoas que chegam diminuiu desde a cúpula. Ao mesmo tempo aumenta o número de pessoas que tentam a viagem da Líbia para a Itália. O alívio dos líderes europeus com a expectativa de que a Turquia possa conter o fluxo de refugiados poderá desaparecer logo se os refugiados escolherem outras rotas. O Acnur alerta que a UE não vai conseguir se isolar para sempre.
A UE havia afirmado que o reenvio de refugiados para a Turquia e o realojamento de uns poucos felizardos da Turquia para a Europa seria a maior operação logística que ela já havia comandado. Pois essa operação arrisca virar um fiasco. A Comissão Europeia e a Turquia deveriam puxar o freio e no mínimo adiar o início do processo. A data de 4 de abril é impraticável. Um adiamento de uma, duas ou até mesmo três semanas seria vergonhoso, mas ainda assim melhor do que um processo insustentável do ponto de visto legal.
E ainda não há uma solução para as 50 mil pessoas que estão bloqueadas em território continental grego por causa do fechamento da rota dos Bálcãs. Elas não foram contempladas no acordo. Trata-se de um escândalo que os demais países-membros da UE simplesmente ignoram. Refugiados que não chegam até as próprias fronteiras não interessam na Áustria, na França ou na Alemanha. A Grécia que se vire com eles. Essa é a bela solidariedade europeia.