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Opinião: É hora de a Igreja Luterana repensar

31 de outubro de 2017

Maioria dos protestantes vive hoje na África, Ásia, América Latina; novos vendedores de indulgências são evangélicos e pentecostais. É o momento de retornar às origens de Lutero, opina a jornalista Astrid Prange.

Foto: Imago/epd

No princípio era o Verbo. A famosa frase da tradução de Martinho Lutero da Bíblia poderia ser o slogan do jubileu da Reforma Protestante. Afinal, o movimento foi inaugurado pela divulgação das teses do religioso alemão, 500 anos atrás.

Mas assim não foi. O ano comemorativo desencadeou grandes esperanças e sonhos, pois Lutero se revelou um fantástico veículo de publicidade. Quem sabe, talvez o jubileu iniciasse uma nova Reforma na Alemanha, conferindo impulso inusitado às Igrejas cristãs?

A grande esperança gerou entusiasmo enorme. O quinto centenário não seria festejado durante um só ano, mas sim por dez anos: em 2007 a Igreja Luterana anunciou uma "Década de Lutero" na Alemanha.

Astrid Prange é jornalista da DW

De lá para cá, a esperança deu lugar a uma sobriedade protestante. A renovação reformista não ocorreu, o número de cristãos na terra de Lutero segue minguando. O temor de Deus postulado pelo reformador, sua radicalidade e sua incitação à penitência vitalícia alienam muitos no país.

Isso, embora em 2016, pela primeira vez em muito tempo, a Igreja Luterana tenha ganhado mais novos adeptos do que perdido: desde a Reunificação da Alemanha, em 1990, a porcentagem de protestantes entre a população caiu de 36% para 26%.

Pouco a pouco chega-se à constatação: não é possível manter por dez anos nem mesmo os festejos de um evento tão decisivo como os 500 anos da Reforma. Os anfitriões e organizadores, sobretudo a Igreja Luterana da Alemanha, tinham errado na medida.

Isso não é tudo: eles não deram a devida atenção a uma importante tendência da "Reforma, cidadã do mundo" – uma denominação bem pertinente da Federação Mundial Luterana. Pois hoje a renovação protestante não acontece mais na Alemanha, e sim em lugares bem outros, e de forma bem diferente do que se pensava.

Segundo dados do Centro para Estudo da Cristandade Global, do total de 560 milhões de cristãos luteranos, 228 milhões já vivem na África. Cerca de 130 milhões se encontram no continente americano, quase 100 milhões na Ásia e cerca de 90 milhões na Europa.

Ao todo, 2,3 bilhões de pessoas professam a fé cristã, em todo o planeta, e dois terços delas vivem na Ásia, África e América Latina. A maioria é católica, mas nessas regiões também crescem as correntes evangélicas e pentecostais, as quais – ao contrário do protestantismo alemão – interpretam a palavra de Deus de forma teologicamente rigorosa e politicamente conservadora.

Essa nova reforma conservadora também chegará à Europa. Como as Igrejas da Alemanha reagirão a tal advento? O que Lutero diria desse tipo de "reforma"? Ele sequer saudaria a interpretação literal da Bíblia?

Em vez de, passados 500 anos, continuar confrontando a Igreja Católica e o papa, os protestantes de hoje deveriam dirigir seu veto aos modernos vendedores de indulgências, os arautos do assim chamado evangelho da prosperidade ou do fim do mundo.

Do ponto de vista teológico, a Alemanha está equipada de forma excelente para esse debate, já que é uma das líderes mundiais em ciências teológicas. E o embasamento social do protestantismo segue marcando a cultura política nacional, mesmo que a crença e a fé em Deus vão se esvaindo.

Por isso, é hora de retornar às origens de Lutero: "No princípio era o Verbo". O embate teológico sobre a "velha" e "nova" Reforma não deve se travar apenas na Alemanha, mas sim em Lagos, Seul e São Paulo. É também numa dessas metrópoles que se deveria realizar o próximo jubileu da Reforma Luterana.

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