As arrastadas negociações para formar um novo governo, culminando no quarto mandato de Merkel, mostram que o sistema político do país está pronto para desafios do tipo, opina Christoph Strack.
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O resultado foi suficiente. Angela Merkel é, novamente, a chanceler federal. Pela quarta vez, o parlamento alemão elegeu a mulher de 63 anos como chefe do governo. Pelo menos 35 deputados da coalizão de governo se recusaram a votar nela. Assim, Merkel obteve apenas nove votos a mais que o necessário para a maioria absoluta.
Um resultado tão fraco tem tradição nas chamadas grandes coalizões alemãs, nas quais os conservadores da CDU e os social-democratas costumam ser obrigados a celebrar um casamento de conveniência. Tanto em 2005 quanto em 2013, faltaram respectivamente entre oito e 10% dos votos do campo da coalizão durante as votações secretas. Mas: maioria absoluta é maioria absoluta. Sempre houve votos suficientes para a chamada "maioria do chanceler". Mas não para mais que isso.
Passados os últimos seis meses que movimentaram a Alemanha, o resultado da eleição é um sinal. Depois dessas turbulências, a grande coalizão declarou a palavra "novo" como um dos conceitos centrais do contrato de coalizão. Também teria sido perfeitamente plausível esperar um outro sinal, um de coesão – mas não. Isso também é um sinal.
Finalmente, a Alemanha voltou a ter uma chanceler federal em exercício, um governo federal com plena capacidade jurídica. Isso é bom, já que os vários desafios de política interna e externa exigiam um governo efetivo há muito tempo.
O debate acalorado sobre os bancos de alimentos e a pobreza na Alemanha mostra novas rupturas no interior da sociedade do país – rupturas que, há tempos, não tem mais apenas relação com a questão dos refugiados.
No plano internacional, espera a Europa e, particularmente, o presidente francês Emmanuel Macron. Junta-se a isso a ameaça de uma guerra comercial com os Estados Unidos, o estilo de liderança de Donald Trump como um todo, as tensões entre o Reino Unido e a Rússia – cada tema individual constitui uma contenda diplomática.
A eleição da chanceler é um ponto final após 171 dias de luta política. Primeiro, empreendeu-se uma viagem ao território desconhecido da coalizão "Jamaica". Depois, escapou-se do abismo político para a perplexidade, e finalmente chegou-se a um demonstrativo velho novo recomeço.
Esses 171 dias mostram uma coisa: o sistema político alemão está preparado para esse tipo de desafio. Isso é um bom sinal. Mas os alemães precisam se tornar mais humildes na análise dos processos políticos em outros países que já precisaram superar obstáculos comparáveis em tempos econômicos bem mais difíceis. Para Merkel, o quarto mandato voltará a ser uma nova prova de fogo – talvez a maior prova política de sua carreira.
Durante a manhã desta quarta-feira (14/03), quando foi eleita, Merkel percorreu o caminho entre o Reichstag (sede do Parlamento alemão) e o Palácio Bellevue para encontrar o presidente Frank-Walter Steinmeier duas vezes. Trata-se de um ritual firmemente regulado a/o chanceler federal encontrar o presidente depois da eleição no Parlamento para ser nomeada/o. Em seguida, a ou o premiê é juramentada/o no Parlamento e volta a ir à residência oficial do presidente alemão com seus ministros. É um procedimento previsto na Constituição. Ainda assim, o ritual desta quarta significou mais que o cumprimento de um costume.
É que, sem a intervenção autoconfiante – e necessária – desse presidente, em dezembro do ano passado, Merkel provavelmente nunca teria chegado a esta quarta-feira, a esta quarta eleição como chanceler federal. O Executivo número um do Estado exortou as lideranças políticas das maiores bancadas parlamentares, lembrou-as de sua responsabilidade. O resto já se sabe. Foram-se os tempos em que o cargo de presidente na Alemanha parecia apenas ser uma função simbólica.
Combina com isso o fato de ter havido apenas um discurso após a eleição da chanceler – o do presidente. "Para reconquistar a confiança perdida, não será suficiente apenas requentar o antigo. Esse governo precisa voltar a mostrar o seu valor e de forma diferente", disse Steinmeier. Sua advertência surpreendentemente explícita e fundamental torna-se, no dia desta eleição, o lema da nova coalizão.
O novo governo de Angela Merkel
Os 15 nomes que compõem o gabinete do quarto governo Merkel já são conhecidos. SPD comandará pastas cobiçadas, como Finanças e Exterior. CDU chefiará a Economia, e CSU, o Interior.
Foto: Reuters/H. Hanschke
Na vitrine
Heiko Maas, de 51 anos, trocou o Ministério da Justiça pelo do Exterior. Como ministro da Justiça, Maas gerou polêmica com a lei contra a incitação ao ódio nas redes sociais. O Ministério do Exterior costuma levantar a popularidade de seus ocupantes, o que deverá acontecer também com ele. Por isso, já há quem especule que o SPD esteja preparando Maas para ser candidato à chancelaria pelo partido.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Guardião das finanças
Olaf Scholz, de 59 anos, já deixou claro que vai rezar pela cartilha do seu antecessor no Ministério das Finanças, Wolfgang Schäuble (CDU). Também ele rejeita gastar mais do que a arrecadação e não quer fazer novas dívidas. Isso está definido, aliás, no acordo de coalizão, mas não agrada a todas as lideranças do SPD. Scholz, que hoje é prefeito de Hamburgo, também será o vice-chanceler.
Foto: Getty Images/C. Koall
Poder de fogo
O ex-secretário-geral do SPD Hubertus Heil, de 45 anos, será o novo ministro do Trabalho e Social. Este é, de longe, o ministério com o maior orçamento no governo alemão, com mais de 100 bilhões de euros disponíveis.
Foto: Imago/photothek/M. Gottschalk
Jovem e do Leste Alemão
A ascensão de Franziska Giffey, de 39 anos, mostra que não é necessário integrar as panelinhas do Bundestag para conseguir um lugar no governo: Giffey, até então prefeita do distrito de Neukölln, em Berlim, vai comandar o Ministério da Família, também do SPD. Esta política do Leste Alemão é tida como partidária da lei e da ordem, o que lhe deu fama em Neukölln, uma "região problema" da capital.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Gambarini
Chefe do meio ambiente
Svenja Schulze, de 49 anos, já tem experiência em comandar uma pasta, mas em nível estadual. Até 2017, ela comandou a Secretaria da Pesquisa no estado da Renânia do Norte-Vestfália. Depois que o SPD perdeu a eleição e deixou o governo, ela passou a ocupar o cargo de secretária-geral. Agora, vai assumir o Ministério do Meio Ambiente.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Vennenbernd
Pelos direitos das mulheres
Katarina Barley, de 49 anos, vai trocar o Ministério da Família pelo da Justiça. No cargo atual, ela se mostrou uma defensora dos direitos das mulheres, por exemplo exigindo que o debate sobre sexismo e violência seja ampliado dentro da sociedade alemã.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
Braço direito da chanceler
Peter Altmaier, de 59 anos, é tido como o braço direito da chanceler federal Angela Merkel. Como chefe da chancelaria federal, ele recebeu dela alguns dos piores abacaxis do governo, como a gestão da crise dos refugiados. Agora ele passará para o Ministério da Economia e Energia, tido como o principal dos que ficaram com a CDU e importante para o setor industrial do partido.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Homem de confiança
Helge Braun, de 45 anos, também é um homem de confiança de Merkel e um de seus assessores mais próximos. Com a ida de Altmaier para a Economia, Braun, que é da CDU, assume a chefia da Chancelaria Federal.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
De olho na Otan
Poucos ministros foram tão criticados no cargo, durante o governo passado, como Ursula von der Leyen, sempre às voltas com algum escândalo na Bundeswehr. Von der Leyen, de 59 anos e da CDU, já foi uma bem-sucedida ministra da Família de Merkel. Na época, era cotada para suceder a chefe. Hoje é tida como um nome forte para ser a próxima secretária-geral da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Renovação na CDU
Um dos rostos jovens mais promissores da CDU vai assumir o Ministério da Agricultura. Julia Klöckner, de 45 anos, perdeu duas eleições na sua terra natal, a Renânia-Palatinado, e agora se muda de vez para Berlim. Ela é tida como pessoa de confiança da chanceler federal. Para irritá-la, inimigos costumam lembrar que ela foi rainha do vinho no seu estado, um grande produtor de uvas e vinhos.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Fischer
Crítico de Merkel
A imprensa foi unânime em apresentar a ida de Jens Spahn para o Ministério da Saúde como uma tentativa de Merkel de apaziguar seus críticos dentro da CDU. Afinal, Spahn, de 37 anos, é o principal crítico de Merkel na CDU. Ele se apresenta como católico, defensor dos valores conservadores e gay e é tido como um profundo conhecedor dos problemas de sua pasta, até mesmo por adversários políticos.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kappeler
A surpresa na lista
A escolha de Anja Karliczek, de 46 anos, surpreendeu muitos observadores. Pouco conhecida, ela é deputada federal da CDU pela Renânia do Norte-Vestfália e vai assumir o Ministério da Educação.
Foto: imago/M. Popow
Novo lar para o "leão bávaro"
Desde 2008 governador da Baviera, Horst Seehofer, de 68 anos, vai assumir um Ministério do Interior fortalecido pelas pastas de "Heimat" (lar, pátria) e Construção. É o ministério mais importante da CSU, e muitos analistas afirmam que a criação da pasta de "Heimat" é uma resposta ao avanço da AfD, que a CSU encara como uma concorrente direta pelos votos no estado do sul da Alemanha.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Pohl
De volta a Berlim
Andreas Scheuer, de 43 anos, ocupava o cargo de secretário-geral da CSU. Agora, ele retorna ao Ministério dos Transportes, no qual havia sido vice-ministro até 2013, na condição de ministro. O ministério inclui ainda a pasta Digital.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/S. Babbar
Ajuda ao desenvolvimento
Fora o ministro do Exterior, nenhum outro viaja tanto quanto o Ministro da Ajuda ao Desenvolvimento. O atual ocupante da pasta é Gerd Müller, de 62 anos, da CSU), e ele permanecerá no cargo no próximo governo. Entre as suas principais tarefas está combater a migração causada pelo subdesenvolvimento.