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A conflitante agenda de Lula no G20

Thomas Milz
Thomas Milz
11 de setembro de 2023

Ao assumir a presidência do G20, Brasil pode colocar proteção do clima e combate à fome na agenda global. Mas guerra na Ucrânia segue sendo o elefante na sala, mesmo que Lula não queira admitir, opina Thomas Milz.

Presidência brasileira do Grupo dos 20 traz esperanças, mas também grandes responsabilidadesFoto: Ricardo Stuckert/PR

Quem não se lembra como, na cúpula do G20 de 2009, em Londres, o então presidente americano, Barack Obama, saudou brincalhão seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, com "Esse é o cara!", classificando-o como "o político mais popular do planeta". Bem "o cara" está de volta!

Passados 14 anos, Lula assume a presidência do grupo das 20 maiores economias, o G20. É a inauguração de anos intensos para o Brasil na política externa. Em 2024 os países-membros se reúnem no Rio de Janeiro, e a cúpula do clima em Belém do Pará está marcada para o ano seguinte.

Ao contrário do contexto do Brics – agora ampliado com os candidatos indicados pela China, cerceando a influência brasileira –, com a presidência do G20 Brasília tem a possibilidade de deixar sua própria marca. É uma chance de ouro para Lula fazer esquecer os anos desastrosos sob Jair Bolsonaro e recolocar o Brasil no palco mundial como global player – onde ele já esteve em 2009-2010, no fim do segundo governo Lula e início do mandato de Dilma Rousseff.

Na época, como agora, Lula apostava nos temas em que o Brasil apresenta potencial extraordinariamente alto: proteção do clima e combate à fome. Aqui ele sabe ser capaz de brilhar com suas conquistas passadas: redução do desmatamento da Amazônia e programas sociais com o Bolsa Família, pelo qual recebeu distinções internacionais. Nesses campos, o petista tem know-how, e o Brasil – com sua natureza exuberante e riqueza de recursos – tem muito para oferecer ao mundo.

Além disso, como já anunciou em Nova Déli, Lula também pretende negociar uma nova ordem das instituições globais. Assim, visa sobretudo que o Sul Global fortalecido seja representado de modo mais justo e ganhe maior influência. Enquanto anfitrião da cúpula do G20 no Rio, Lula tem a possibilidade de determinar a agenda, portanto o assunto constará da pauta.

Lula já tivera uma conversa positiva a respeito com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Ambos querem ver seus países no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como confirmação de seu novo status de poder global. Entretanto são nulas as chances reais de tal acontecer.

A China, e portanto também seu novo vassalo de fato, a Rússia, vão se opor ao ingresso da ambiciosa Índia, que no momento tenta dançar em todos os bailes geopolíticos, aspirando também se aproximar dos Estados Unidos. E seria impensável Nova Déli ficar de fora do órgão da ONU responsável pela paz, enquanto o Brasil é aceito, apesar de seu peso inferior na hierarquia global.

Lula entre novas metas e velhas receitas

Ao mesmo tempo, Lula vai combater no G20 o que considera a agenda do Ocidente: o apoio à Ucrânia e, em geral, uma moralização das instituições internacionais. Ou seja: tanto o posicionamento ocidental perante as ditaduras de esquerda da América Latina como Cuba e Venezuela, percebido como arrogância moral, quanto, é claro, o conflito na Ucrânia.

A declaração final do encontro de Nova Déli já indica a direção que Brasília tomará: nenhuma menção à guerra na Ucrânia nem condenação da agressora Rússia. Vladimir Putin pode vir tranquilamente ao Rio, pois não se permitirá a aplicação do mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) – afirmou o chefe de Estado brasileiro no sábado (09/09), embora nesse ínterim já tenha relativizado a declaração.

Fato é que o Brasil ratificou o TPI, e teria a obrigação de executar o mandado de prisão contra Putin. É mais do que estranho Lula insistir em dar cobertura a "criminosos amigos" e ditadores como Daniel Ortega, Nicolás Maduro e Putin, enquanto lança sem parar as mais graves acusações contra as democracias ocidentais.

Soa igualmente estranha, para um paladino da proteção climática, sua defesa dos combustíveis fósseis, pois ele pretende explorar petróleo na Amazônia e no mar à foz do rio Amazonas. Seu encontro com o líder da Arábia Saudita já indica a presença de interesses comuns dos dois países ricos em petróleo. Também o etanol, tema preferido de Lula, desencadeia a velha discussão, de se nos campos brasileiros se deve cultivar alimentos ou biocombustível.

E se a intenção de Lula é colocar o combate à fome na agenda mundial, não haverá como deixar de tratar do bloqueio russo às exportações de grãos da Ucrânia, o qual dificulta o abastecimento de milhões em todo o planeta. Além disso, a guerra iniciada pela Rússia logo em seguida à pandemia de covid-19 precipitou o mundo numa nova crise econômica que gera novas desigualdades.

Como Lula pretende evitar o tema Ucrânia, o grande elefante a sala? Portanto ditar a agenda global para os próximos anos não será uma tarefa nada fácil para "o cara".

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Thomas Milz é correspondente e colunista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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