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A dívida da Itália e o porrete de Bruxelas

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Andreas Rostek-Buetti
5 de junho de 2019

A UE quer responder com um procedimento de déficit excessivo às sucessivas transgressões do governo populista em Roma. Será muito barulho por nada, mas ainda assim esse barulho é necessário, opina Andreas Rostek-Buetti.

"Salvini, da ultradireitista Liga, não tem a menor intenção de cooperar com a UE"Foto: Getty Images/E. Cremaschi

Este artigo de opinião poderia ser super breve: sim, a União Europeia tem que iniciar um procedimento de déficit excessivo contra a Itália, devido a seu continuado desrespeito a um monte de regras com que todos os membros do bloco se comprometeram.

E: não, o procedimento não terá qualquer efeito, e menos ainda trará resultados economicamente relevantes. E como poderia? Os poderosos em Roma sabem muito bem que seu país é grande demais para ser simplesmente "punido". E ainda menos provável é sua expulsão do clube europeu.

E no entanto a UE tem pela frente um problema enorme, indo da bem cuidada paisagem da região de Milão até as águas rasas em torno da Sicília. Pois a Itália é uma bomba econômica armada, com que só se pode lidar com meios políticos. E vai ser preciso enfrentá-la com meios políticos, a UE não tem alternativa.

Destrinchando a bomba em cifras: em 2018 a Itália apresentava um débito estatal de 132,2% de seu Produto Interno Bruto (PIB), que no fim do ano ultrapassava os 2,3 bilhões de euros. A Comissão Europeia projeta para 2020 uma dívida italiana de mais de 135%. As regras para os países-membros só permitem 60%.

Mais alguns números: em 2017 a participação do país no desempenho econômico da UE era de 11,2%. No entanto, a economia nacional está estagnada, e o desemprego grassa. Os bancos do país detêm ao todo mais de 400 bilhões de euros da dívida estatal.

Para amortizar essa dívida, medida em termos do PIB, todas as italianas e italianos precisariam trabalhar um ano e quatro meses inteiros sem receber salário. Trata-se naturalmente de uma conta irreal, e a UE também está ciente disso. Recentemente a Comissão Europeia exigiu que pelo menos estivesse visível que Roma vem reduzindo seu débito, em vez de aumentá-lo. Além disso, deveria reduzir o déficit orçamentário, atualmente superior a 2%.

Contudo o ministro do Interior Matteo Salvini, da ultradireitista Liga, não tem a menor intenção de cooperar: "Já se foi o tempo em que recebíamos cartinhas de Bruxelas." Se dependesse do homem forte em Roma, no próximo ano o déficit orçamentário italiano saltaria para 5%. E a coisa realmente depende dele – o que é o problema tanto político quanto econômico da União Europeia.

Pois – e aí vão mais alguns números, embora não de natureza econômica – Salvini e sua Liga obtiveram mais de 34% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu, dobrando assim o peso de sua bancada. O Movimento Cinco Estrelas (M5S), que já foi populista de esquerda e hoje mal consegue sobreviver, só obteve 17%. Os dois parceiros de coalizão trocaram de papéis, e não cansam de se bloquear mutuamente.

Em Roma já é certeza que Salvini vem brincando com a ideia de eleições antecipadas, e quer virar chefe de governo. "Ninguém sabe quando o governo vai cair, mas agora todos compreenderam que ele realmente pode cair", escreveu o jornal Corriere della Sera, citando um deputado.

O potencial futuro dirigente em Roma é também citado, com uma frase como esta: "Os valores-limite da união monetária são velhos e ultrapassados, e prejudicaram a Europa. [...] Não vou me enforcar por causa de uma regrinha."

Com tais tiradas, o ministro e populista de direita eleva repetidamente os custos do débito estatal da Itália, reduz a margem de manobra de seu governo e ameaça a existência dos bancos italianos – e, com isso, a estabilidade do tecido financeiro europeu.

Com um grande porrete – seja partindo de Bruxelas (UE), Frankfurt (Banco Central Europeu) ou Washington (Fundo Monetário Internacional) – não se conseguirá dar conta dessa situação. Só com constante disposição ao diálogo por parte da UE, constante oferta de dar pequenos passos, de procurar pequenos progressos. E, onde possível, fortalecendo os ainda sensatos e pragmáticos do país, no Banco da Itália, nas empresas, nas ONGs e na sociedade civil como um todo.

O porrete de Bruxelas, em contrapartida, só fortalece o homem forte de Roma. Por outro lado está igualmente certo a UE ter que brandi-lo, se não quiser lançar por terra toda sua própria regulamentação, sem que haja consenso quanto a um substituto.

A coisa toda parece uma espécie de quadratura do porrete. A solução do problema cabe inteiramente aos italianos – se é que eles ainda encontram tempo para tal.

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