O Brasil navega rumo a águas turbulentas. A sentença de Lula deve desencadear uma longa batalha judicial, que vai sequestrar a opinião pública e impedir qualquer debate construtivo na campanha eleitoral deste ano.
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Em vez de trazer claridade política ao Brasil, a sentença de Luiz Inácio Lula da Silva deve desencadear uma longa batalha judicial, que vai sequestrar a opinião pública e impedir qualquer debate programático na campanha eleitoral deste ano.
A sentença é o auge de uma série de escândalos de corrupção que sacodem o sistema político brasileiro há quatro anos e atingem figuras de todo o espectro político. E mancha profundamente a reputação daquele que já foi considerado "o político mais popular do planeta", como Obama descreveu Lula em 2009.
Fosse qual fosse, a decisão dos juízes em Porto Alegre estava fadada a ter um impacto político imensamente maior do que jurídico. A condenação pode tirar Lula, o favorito nas pesquisas de intenção de voto, da corrida presidencial de 2018 – embora recursos judiciais ainda possam tanto permitir que ele se candidate como impedir que venha a ser preso. A absolvição, por sua vez, teria desmoralizado o juiz que comanda a maior cruzada anticorrupção da história do país.
Ironicamente, a sentença satisfaz as paixões tanto de apoiadores como de opositores de Lula, e dá mais munição à turba raivosa que só enxerga o processo sob as lentes de amor ou ódio incondicionais ao ex-presidente. Opositores veem a prova de que Lula é corrupto. Os apoiadores, de que ele é perseguido político.
Quem procura observar os fatos de fora e chegar a uma conclusão neutra, porém, gostaria de ver indícios mais contundentes, tanto de culpa como de inocência. A sentença contra Lula tem um quê de justiça premonitória: Lula não é o proprietário oficial do triplex nem nunca usufruiu dele, mas, segundo os juízes, tinha a intenção de fazê-lo. E a contrapartida à OAS seria a indicação de diretores para a Petrobras, algo que, de qualquer forma, é atribuição do presidente.
Os apoiadores de Lula, por sua vez, não conseguem explicar o que legitima uma relação tão próxima entre o ex-metalúrgico, "homem do povo", e as grandes empreiteiras que enriqueceram durante os anos de seu governo. Empresas que, como hoje se sabe, operaram por anos um eficiente esquema de troca de favores com o mundo político. Há aí um problema de compliance, senhor presidente.
Os desdobramentos da sentença em segunda instância ainda devem se arrastar em tribunais e monopolizar o debate político no ano eleitoral. Uma pena. Bom mesmo seria que a discussão em torno de Lula fosse logo superada, e o Brasil se ocupasse do seu real problema, que é a democracia do fisiologismo.
Afinal, Lula conseguiu governar porque pagou mensalão. Dilma Rousseff foi deposta por não atender às vontades dos parlamentares – não era "boa política", disseram. E Michel Temer usa bilhões dos cofres públicos para comprar no varejo os votos de cada medida impopular que penaliza os mais pobres enquanto mantêm privilégios dos mais ricos.
A democracia brasileira é refém há décadas de um Congresso cuja maioria só legisla em causa própria. Quem há muito tempo acompanha o modus operandi dos parlamentares se refugia no cinismo de que "a política é assim mesmo". Nesse caso, emerge a pergunta: para que servem, então, essa política e esses políticos?
E enquanto pessoas racionais refletem sobre como escolher um congresso melhor e fiscalizá-lo mais de perto, grande parte da população cansada prefere rejeitar completamente o establishment e pôr seu destino nas mãos de qualquer um que ofereça soluções populistas e autoritárias com a promessa de pôr o país nos eixos. E é assim que se implodem democracias. O Brasil navega rumo a águas turbulentas. E não vai sozinho.
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Julgamento de Lula em imagens
Manifestações contra e pró-condenação do ex-presidente reuniram milhares de pessoas. Juízes mantêm condenação por unanimidade e aumentam pena.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Tensão na véspera
Manifestação em apoio ao ex-presidente em Porto Alegre na véspera do julgamento reuniu em torno de 70 mil pessoas, segundo os organizadores, no local conhecido como Esquina Democrática.
Foto: Getty Images/AFP/J. Bernardes
Apoiadores nas ruas
Manifestantes pró-Lula em Porto Alegre: o julgamento poderá influenciar diretamente os rumos da eleição presidencial de 2018, na qual ele pretende se candidatar. Seus apoiadores afirmam que o processo é uma tentativa de bloquear a candidatura. Apesar de todas as denúncias que pesam contra ele, o ex-presidente lidera todas as pesquisas de intenção de voto.
Foto: Getty Images/AFP/C. de Souza
Brasília
Na capital do país, manifestantes pró e contra o ex-presidente se concentraram em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a polícia militar, eram cerca de 500 apoiadores de Lula contra outros 400 que defendiam sua condenação. Os dois grupos tiveram de ser isolados para evitar confrontos.
Foto: Getty Images/AFP/S. Lima
"Já provaram minha inocência"
"Não vou falar do meu processo, não vou falar da Justiça, primeiro porque tenho advogados competentes que já provaram minha inocência, segundo porque acredito que aqueles que vão votar deverão se ater aos autos do processo, e não convicções políticas de cada um", disse Lula em Porto Alegre, diante milhares de manifestantes no ato público em sua defesa.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Dilma acusa "perseguição política"
A ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo em 2016, abraça Lula em Porto Alegre. Em discurso num ato convocado por mulheres ligadas a movimentos sociais e partidos de esquerda, ela afirmou que seu impeachment foi o início de um golpe orquestrado para destruir o PT e seu líder. "É um processo de perseguição política. A acusação não tem fundamento", disse, sobre julgamento de seu antecessor.
Foto: Reuters/D. Vara
Avenida Paulista
Em São Paulo, manifestantes a favor da condenação de Lula se reuniram em frente à sede da Justiça Federal, na Avenida Paulista, a poucos metros de um protesto realizado por apoiadores do ex-presidente.
Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida
Em defesa da pena imposta por Moro
Em São Paulo, manifestantes contrários a Lula defenderam a manutenção da pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, na 13ª Vara de Curitiba, que condenou o ex-presidente a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso envolvendo a compra de um apartamento tríplex no Guarujá.
Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida
"Confirma TRF-4!"
“Lula ladrão, seu lugar é na prisão!” e "confirma TRF-4!" foram algumas das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes no protesto contra Lula na Avenida Paulista
Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida
No Sindicato dos Metalúrgicos
Lula acompanhou o julgamento na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, onde reiterou ser inocente. Discursando a apoiadores, o ex-presidente disse ainda ter tranquilidade para enfrentar adversidades. "O que está acontecendo comigo é muito pouco diante daquilo que está acontecendo com milhões de desempregados", afirmou.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Pixulecos pelo país
Em várias cidades, manifestantes a favor da condenação de Lula ergueram os bonecos infláveis “Pixuleco” do ex-presidente como sinal de protesto. Um Pixuleco chegou foi colocado em frente ao tríplex no Guarujá. Outro apareceu no rio Guaíba, em Porto Alegre (foto).
Foto: picture-alliance/AP Photo/W. Santos
Segurança reforçada
A segurança em torno do prédio do TRF-4, nas proximidades do rio Guaíba, foi reforçada com um dispositivo que envolve 4 mil pessoas. Toda a área em torno do tribunal foi isolada, e o esquema de segurança incluiu atiradores de elite (desarmados, no papel de observadores), 150 câmeras de vídeo, bloqueio aéreo e patrulhamento naval.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Condenação mantida
Os desembargadores que analisaram o recurso de Lula no TRF-4 decidiram manter a condenação imposta ao petista pelo juiz Sérgio Moro. Com isso, a Operação Lava Jato conseguiu uma segunda marca histórica: a validação de uma condenação criminal de um ex-presidente. Apesar da decisão, a situação do petista ainda deve ser objeto de longas batalhas judiciais neste ano.
Foto: picture-alliance/AP Photo/TRF/S. Sirangelo
Pena aumentada
Por unanimidade, os desembargadores decidiram ainda aumentar a pena de Lula de nove anos e seis meses para 12 anos e um mês de prisão. Os desembargadores também validaram a condução do juiz Moro no caso e dos procuradores da Lava Jato, que há quase quatro anos vêm abalando os alicerces do establishment político brasileiro.