"Se alguém perguntar – eu não estou", diz o presidente partidário à secretária. "E se o presidente perguntar?", a secretária quer se certificar junto ao chefe. "O presidente é ALGUÉM?", responde o superior, abrindo um sorriso sarcástico.
Na Polônia, quase todos conhecem a cena da série satírica Ucho prezesa (A orelha do premiê, em tradução livre). O todo-poderoso em questão é o líder do partido nacional-conservador Partido Lei e Justiça (PiS), Jarosław Kaczyński. O presidente do país, cujo nome nem mesmo a secretária consegue memorizar, chamando-o vez de "Andrzej", vez de "Adrian", é mostrado a cada capítulo da série como um homem simpático, tímido e que espera eternamente na antessala do líder do partido.
Nesta segunda-feira (24/07), isso acabou. Adrian finalmente se tornou Andrzej Duda. O veto a duas das três leis sobre o Poder Judiciário demonstra uma emancipação política do jovem presidente.
Em 2015, quando foi proclamado candidato presidencial do PiS, no poder na Polônia, a confusão foi grande até entre os jornalistas. De início, muitos o confundiram com o líder do sindicato Solidarnosc, Piotr Duda.
Andrzej, que não tem parentesco com esse último, foi secretário de Estado na Presidência durante o mandato de Lech Kaczyński (2005-2010) e, antes da candidatura à Presidência, seu último cargo foi de membro do Parlamento Europeu (2014-2015), mas nunca chamou atenção politicamente.
A surpresa foi ainda maior quando o político de 43 anos varreu o predecessor, Bronisław Komorowski (2010-2015) do palácio presidencial, colocando assim a pedra fundamental para a vitória do PiS nas eleições parlamentares que se seguiram.
Dotado de uma maioria parlamentar confortável e com um afilhado político inexperiente na Presidência, Jarosław Kaczyński parecia ter recebido a chance de sua vida: realizar o próprio sonho da revolução nacional-conservadora, de uma virada moral fundamental. O sonho do "Estado forte", que deveria se livrar das "amarras pós-comunistas" e das "elites ocidentais liberais deterioradas", levando a Polônia de volta às suas raízes católicas e nacionais.
Não à toa, os autores da controversa lei queriam que o Supremo Tribunal do país futuramente levasse em conta os "valores cristãos". O projeto de lei previa que o responsável pela virada moral em meio aos juízes do Tribunal seria o ministro da Justiça, que paralelamente também exerce a função de procurador-geral.
As leis aprovadas nas últimas semanas pela Sejm (Câmara Baixa do Parlamento) e pelo Senado previam uma aposentadoria temporária para os magistrados superiores. A escolha dos sucessores deveria ficar a cargo do ministro da Justiça.
Foi demais para o presidente Duda. Seu veto é corajoso, consequente e correto. Sua função de "tabelião" do líder do partido e de sua revolução nacional-conservadora ficou no passado. A decisão é corajosa porque, pela primeira vez, Duda se colocou no caminho de seu mentor político, mas também porque está decepcionando o núcleo duro de seu eleitorado. Além disso, ele está se expondo, em meio aos seus próprios apoiadores políticos, a críticas de que ele está cedendo aos protestos da oposição, em conluio com os inimigos da revolução nacional-conservadora.
Mas a decisão é consequente porque Kaczyński e sua entourage ignoraram o alerta do presidente, proclamado há alguns dias. Na ocasião, Duda apelou ao Parlamento para aprovar a reforma da Justiça com calma, e não num ritmo apressado. Ele tinha razão: a lei que ele recebeu na sua mesa para assinar tem óbvias contradições. Um veto numa situação como essa não tem relação apenas com a manutenção da imagem, mas com a responsabilidade elementar pelo Estado.
E Duda tem razão quando diz que a reforma da Justiça, cara a tantas pessoas, não pode levar à divisão da sociedade. Essa divisão aumentou desde a vitória eleitoral do PiS – também por causa do estilo político sem consideração e confrontativo do líder partidário Kaczyński. Por isso, o princípio de seu afilhado político recém-perdido é acertado: política responsável significa elaborar acordos e conquistar grandes maiorias para concretizar intenções políticas.
A sugestão do presidente de eleger os membros do Conselho Nacional do Judiciário, responsável pela nomeação de juízes, com maioria qualificada de três quintos (em vez de maioria simples) é testemunho dessa consciência. Com seu veto, Duda também bloqueou a lei sobre o conselho, que deverá ser revisada.
Mesmo que a surpresa e a decepção sejam grandes por parte de Kaczyński, a terceira lei sobre o Judiciário foi aprovada por Duda – quase como consolo. Segundo a legislação, o ministro da Justiça pode determinar sobre os presidentes dos Tribunais Gerais. Com o tempo, Duda aprendeu a lição de que também é preciso preservar a imagem de seus oponentes. O presidente cresceu com seu cargo. Ele se tornou ALGUÉM.