Nunca formar um governo demorou tanto no país. As arrastadas negociações, enfim, resultaram num acordo. Mas ele representa apenas mais uma etapa rumo ao fim do bloqueio político, opina Christoph Strack.
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Eles conseguiram. Até que enfim. E estão exaustos. Exatos 135 dias depois das eleições legislativas alemãs e após uma luta aparentemente interminável, os partidos conservadores CDU e CSU, liderados pela chanceler alemã Angela Merkel, e os social-democratas apresentaram um acordo para formar uma coalizão de governo.
A grande negociação, porém, será seguida de um período de apreensão. É que, para as próximas semanas, o programa acordado é apenas um documento de boas intenções. Eles ainda não chegaram ao objetivo. Mas, pelo menos, a Alemanha conseguiu se aproximar mais da formação de um governo.
A importância desse avanço fica evidente quando se olha para a agenda de quinta-feira (08/02) da chanceler: ao meio-dia, ela recebe o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e à noite o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
A Europa espera pela Alemanha, esta forte potência na União Europeia ao lado da França de Emmanuel Macron. E faz tempo que o bloco espera. A janela para reformas na UE, que também consta do programa de governo estabelecido na Alemanha, já está diminuindo.
A Europa é um dos pontos mais importantes desse contrato de coalizão – e, dependendo de como se lê, até pode ser visto como a questão central do programa. É que ele também inclui temas relacionados à política externa, que voltaram a ser abertos na reta final das negociações.
Na política interna, até o momento, está difícil identificar um conceito orientador. É notável que, diante de um debate sobre identidade e globalização na sociedade alemã – um assunto que não é apenas populista –, o conceito "pátria" apareça no título do Ministério do Interior (na Baviera, isso já existe há mais tempo).
A dimensão e a riqueza de detalhes do consenso de mais de 150 páginas demonstram cuidado na regulamentação, mas também representam a falta de confiança dos parceiros de negociação. O Parlamento alemão vai receber um calhamaço para processar durante os três anos e meio que restam para o fim da atual legislatura. Os impulsos vêm das cúpulas dos três partidos que integram a coalizão e não, em primeiro lugar, dos parlamentares alemães.
Ainda assim, o acordo ainda deverá enfrentar um teste decisivo: no Partido Social-Democrata (SPD), ainda precisa superar o obstáculo do aval dos membros da legenda. Em 2013, isso não foi problema – mais de três quartos da base aprovaram o contrato.
Em 2018, vai ser diferente. No congresso nacional do partido, apenas 56% dos delegados se disseram a favor da participação em negociações de governo. E os opositores a uma nova "grande coalizão", especialmente entre a ala jovem social-democrata, lutam há tempos por um "não" na decisão dos 464 mil membros do partido –24 mil dos quais aderiram nas últimas quatro semanas.
Mas a lista de ministros que começou a vazar na imprensa mostra a tenacidade com que os social-democratas lutaram noite adentro. Os ministérios que o SPD deverá assumir surpreendem. Na verdade, o partido não poderia mesmo ter alcançado mais do que isso.
E chama a atenção especialmente o fato de que o ministério do Exterior e o das Finanças deverão ser social-democratas. Até hoje, pastas que controlam umas às outras sempre foram para as mãos de partidos diferentes.
Fica a imponderabilidade da decisão dos membros do SPD. Mas, do lado dos partidos conservadores, não será menos emocionante, já que o sucesso das negociações de um lado significa ceder do outro lado. Angela Merkel, presidente da CDU, falou em "concessões dolorosas" quando chegou à última rodada de negociações, na terça-feira (06/02). O acordo agora mostra o que ela quis dizer com isso.
Merkel terá que administrar essa dor entre a sua base. A CDU não precisa do aval dos membros do partido, nem enfrentará um congresso. Mas os resmungos sobre sua a presidente no interior da legenda não vão silenciar.
Este novo passo rumo à coalizão de governo é bom e, ao mesmo tempo, tardio. A Alemanha já está há tempo demais (135 dias) funcionando com um governo interino, com capacidade restrita de ação. Apesar de todo o alívio atual, os últimos obstáculos só serão superados em março. Já será hora.
A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
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1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
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1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
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1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
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1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
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1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
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1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
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1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
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1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
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1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
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1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
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1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
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1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
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1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
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2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
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2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
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2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
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2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
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2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.