Embora seja válido se indignar com a política ambiental de Bolsonaro, é preciso também ter consciência de que todos contribuímos, com nosso estilo de vida, para o desmatamento florestal, opina Martin Muno.
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É claro que os incêndios na Floresta Amazônica são um desastre. E o aumento de seu número pode ser atribuído, pelo menos em grande parte, às políticas ambientalmente hostis do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, de extrema direita. Desde que assumiu o cargo, ele cumpre todos os desejos do lobby do agronegócio, incluindo o uso mais amplo da floresta tropical.
O fato de haver 77% mais incêndios do que no ano anterior deve-se, em grande parte, ao desmatamento já ocorrido. Pois o que está principalmente queimando não é a floresta úmida, mas madeira seca em superfícies já desmatadas.
E é claro que nem toda a Região Amazônica queima, mesmo que alguns gráficos diligentemente espalhados nas mídias e redes sociais sugiram o contrário. E, ao mesmo tempo, existem incêndios florestais devastadores em outros lugares: no Ártico, na Sibéria, em muitos países africanos. Mas esses incêndios quase não chegam ao noticiário e, portanto, tampouco à nossa consciência. Sobretudo nas mídias sociais, que vivem do exagero, apenas o fogo de Bolsonaro permanece na memória.
Mas apontar o dedo só para Bolsonaro é barato demais, pois ao mesmo tempo dois outros dedos apontam para nós. Um deles, para nossos pratos e estômagos, pois a razão do desmatamento em massa é a crescente fome mundial de carne – e quanto mais barata, melhor.
Carne bovina e soja para engorda de gado são as principais exportações agrícolas do Brasil. Os agricultores servem unicamente a nossa ganância. E cada novo hectare de terra agrícola significa um hectare de floresta tropical a menos – a conta é simples assim. Com nosso consumo maciço de carne, serramos com a faca o próprio galho em que estamos sentados.
O outro dedo que aponta para nós – pelo menos se vivemos na Europa –, aponta para nossas florestas. Será que já esquecemos que as florestas queimaram aqui no início seco deste verão? E que quilômetros quadrados estão prestes a morrer de secura? Este é o segundo verão consecutivo de seca que castiga a vegetação agreste do continente.
E não são apenas as florestas de exploração intensiva a sofrer com o aumento da temperatura e a falta de chuvas, como as monoculturas de pinheiros. Cada vez mais, a "nova mortalidade florestal" também afeta florestas mistas. E desmatar em vez de florestar é algo que também ocorre na Europa.
As árvores nos mostram claramente o que todos sentimos: as mudanças climáticas já estão mudando nosso ambiente, não importa onde vivamos. E, a julgar pelas previsões, estamos só no começo. A destruição das florestas é uma dupla perda, pois elas são o maior armazenador de dióxido de carbono em nosso planeta.
Não foi à toa que os cientistas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) chegaram em julho a conclusão de que o florestamento em larga escala poderia efetivamente combater as mudanças climáticas. E não é à toa que os pesquisadores alertam que a morte das grandes florestas libera milhões de toneladas de CO2.
Identificar Bolsonaro como principal culpado, enquanto negador do clima, é compreensível, mas é também simplista. Todos nós contribuímos através do nosso estilo de vida, e nos cabe questionar isso criticamente. Isso adianta mais do que muita postagem indignada no Facebook.
A Floresta Amazônica enfrenta suas piores queimadas em anos. As chamas deixam rastro de destruição na região e geram comoção internacional. Imagens revelam a proporção assustadora da tragédia.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/E. Peres
Amazônia em chamas
Uma fumaça espessa cobre grande parte da Região Amazônica. A dimensão do avanço da destruição da floresta é melhor percebida de cima. Paredes enormes de fogo consomem grandes áreas verdes e dão o tom da evolução da catástrofe ambiental.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Bombeiros em ação contínua
Apesar dos troncos de árvores queimados, o fogo continua sua destruição. Milhares de bombeiros colocam sua vida em risco para tentar conter as chamas. Aparentemente, seus esforços não são suficientes, e o avanço das queimadas chamou a atenção do mundo para a Amazônia.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/E. Peres
Fumaça chega a regiões distantes
Em 19 de agosto, a fumaça das queimadas chegou até São Paulo, contribuindo para o fenômeno que transformou o dia em noite na cidade. A nuvem de fumaça atraiu a atenção do Brasil e do mundo para a situação na Amazônia. Essa fumaça também foi percebida no Peru e recentemente no Uruguai.
A inércia do governo brasileiro diante do avanço das chamas levou a comunidade internacional a pressionar o presidente Jair Bolsonaro a tomar medidas para combater as queimadas. Solicitado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, o tema foi debatido na cúpula do G7. Depois disso, Bolsonaro fez um pronunciamento anunciando o uso das Forças Armadas nos esforços contra o fogo.
Foto: Youtube/TV BrasilGov
Aumento no número de queimadas
Numa corrida contra o tempo, vários estados da região declararam situação de emergência e pediram ao governo federal o envio de militares. As estatísticas não são nada animadoras. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro a 18 de agosto as queimadas aumentaram 82% em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram registrados quase 72 mil focos de incêndio.
No dia seguinte ao anúncio de Bolsonaro, os primeiro militares entraram em ação contra o fogo em Rondônia. O governo disse que disponibilizou 44 mil militares para combater os incêndios que estão devastando a Amazônia.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Brazil Ministry of Defense
Catástrofe causada por humanos
Grandes incêndios não são uma exceção em países sul-americanos. Eles são frequentes durante o período de seca. No entanto, também são causados pela ação humana. Ambientalistas dizem que o recente aumento no número de queimadas é responsabilidade de agricultores, que através do fogo pretendem ganhar terras para o pasto.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/L. Correa
Infraestrutura em perigo
Os incêndios não são um risco apenas em florestas distantes. A foto tirada na região de Cuiabá, no Mato Grosso, mostra a proximidade das chamas a locais habitados. Na beira da rodovia 070, que liga o Brasil à vizinha Bolívia, as chamas resplandecem de forma ameaçadora aos veículos que passam por ali.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/a. Penner
Protestos contra o governo Bolsonaro
Brasileiros foram às ruas em várias cidades do país para protestar contra as políticas ambientais do governo Bolsonaro. Em várias ocasiões, o presidente defendeu o desenvolvimento econômico da Amazônia e chegou a propor a seu homólogo americano, Donald Trump, a exploração conjunta da região.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/M. Sayao
Preocupação mundial
As atitudes do governo brasileiro em relação ao meio ambiente e ao avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia provocaram também dezenas de manifestações em frente às representações diplomáticas do Brasil em várias cidades europeias e sul-americanas. A maioria dos atos foi convocada pelo movimento Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção).
Foto: DW/C. Neher
Ajuda internacional
Devido à magnitude dos incêndios, o Brasil recebeu apoio da comunidade internacional. O G7 ofereceu 20 milhões de dólares ao país. A oferta, porém, foi recusada por Bolsonaro. O Reino Unido disponibilizou 10 milhões de libras para o combate às queimadas, e Israel prometeu o envio de um avião equipado para essa finalidade.