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Opinião: A hora final de Lula

Kommentarbild Yoani Sanchez PROVISORISCH
Yoani Sánchez
6 de abril de 2018

Cai parte da ilusão que o próprio ex-presidente brasileiro alimentou: a de que um líder vindo de baixo, que entende os pobres, nunca vai roubá-los. Sua queda é um golpe para o populismo de esquerda, opina Yoani Sánchez.

Lula durante comício no Rio de Janeiro em 2017Foto: Reuters/R. Moraes

Há alguns anos, o socialismo do século 21, este arremedo populista que se disfarçou de forma hábil com um discurso de justiça social e oportunidades para todos, parecia encontrar-se em pleno vigor na América Latina. A região estava salpicada de líderes que pareciam ser algo mais que a ideologia que abraçavam: adoravam se ouvir falar em público, sofriam de uma crônica intolerância à oposição política e acreditavam que encarnavam o sentir de toda uma nação.

Nessa heterogênea explosão de mandatários carismáticos e autoritários estavam desde o falastrão Hugo Chávez, passando pelo arrogante Rafael Correa, o cocaleiro Evo Morales até o popular Luiz Inácio Lula da Silva. Este último era acompanhado da descrição de ter surgido dos estratos mais humildes da sociedade brasileira e, uma vez no Palácio do Planalto, ter impulsionado mudanças para tirar mais de 30 milhões de pessoas da miséria. Com essas credenciais, era difícil não aplaudi-lo, e muitas organizações internacionais se renderam aos pés do operário metalúrgico que virou presidente.

A jornalista Yoani SánchezFoto: Reuters

Mas, sob a imagem de homem austero e inimigo implacável da corrupção política, Lula foi criando suas próprias redes de favores e apoios, às quais respondia com privilégios e prebendas. O Partido dos Trabalhadores se tornou, dia após dia, uma força mais poderosa, que acossava seus adversários políticos, apoiava regimes inapresentáveis como o de Cuba e não parava de receber acusações por desvios de fundos e má gestão. Mas Lula manteve uma impressionante popularidade dentro do Brasil e um apoio, quase unânime, além de suas fronteiras.

Agora o velho sindicalista parece estar chegando ao fim do caminho. No ano passado, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e, neste mês de abril, o Supremo Tribunal rechaçou seu último recurso legal para frear sua prisão. Ainda que o experiente populista continue a arrastar multidões e lidere as pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro, seu último giro pelo Brasil terminou com ovos e gritos lançados contra ele.

Encurralado, o ex-presidente optou por seguir adiante. Redobrou os discursos para as classes populares e apresentou todo o processo judicial no qual está imerso como uma tentativa de calá-lo politicamente e como uma vingança das elites e de antigos adversários ideológicos. Outros, porém, o acusam de se apresentar como candidato para eludir a Justiça. Apesar dessa arremetida a partir dos palanques e dos meios de difusão, não conseguiu impedir que o mito no qual se tornou sofresse grandes rachaduras.

Com a condenação de Lula, cai também parte da ilusão que ele mesmo alimentou: a de que um líder vindo de baixo, que entende os pobres, nunca vai roubá-los. Sua queda em desgraça também é um duro golpe para as forças populistas de esquerda da região, muitas delas salpicadas por escândalos de corrupção vinculados ao extenso esquema da gigante brasileira Odebrecht.

O socialismo do século 21 não foi morto apenas por sua ineficácia para encontrar soluções para os graves problemas do continente, mas também por suas sujas gestões financeiras. Seus representantes mais célebres fomentaram redes de lealdade e subornos que terminaram por cobrar sua conta. O golpe de misericórdia não foi o "império" que eles tanto blasfemaram, tampouco a "burguesia", mas sua própria ambição.

A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa "La voz de tus derechos" no canal de TV da DW em espanhol.

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