Estudo conclui que a mídia alemã falhou em abordar a crise de refugiados de 2015 com um olhar crítico. Algo com o que se é obrigado a concordar - e por experiência própria - opina o jornalista da DW Christoph Hasselbach.
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A expressão "cultura de boas-vindas" foi uma invenção genial. A ideia desenvolveu tal poder de sugestão a ponto de, no outono de 2015, não sobrar quase nenhuma oposição política e resistência jornalística relevante em relação à política de refugiados da chanceler Angela Merkel. A política foi uma medida extrema – e uma opção bem alemã. Nenhum outro país foi tão longe quanto a Alemanha ao assumir a tarefa. Políticos estrangeiros chegaram a chamar os alemães de loucos.
Mas o governo e a mídia não se deixaram influenciar – e se uniram com a finalidade de educar o povo. Um estudo da Fundação Otto Brenner concluiu que "em vez de se comportarem como observadores neutros para acompanhar o tema criticamente e questionar os órgãos governamentais, os veículos de informação adotaram a visão e os lemas da elite política”. O relatório continuou: "Quem mostrou ceticismo passou à suspeita de xenofobia."
E foi exatamente assim. Eu pertenci desde o início ao grupo dos céticos. Nunca foi claro que, por princípio, a Alemanha tinha a obrigação moral de aceitar um número ilimitado de pessoas do mundo todo. Para mim, manter as fronteiras simplesmente abertas a todos para, em seguida, deixar que todos ficassem por meses, seguindo a filosofia "fica para depois ver quem poderá realmente ficar”, me pareceu um erro colossal que prejudicaria o país no longo prazo. Conflitos seriam transferidos para a Alemanha – assim eu temia – e poderiam desestabilizar a sociedade e o Estado. Qual seria o ganho então, inclusive para os refugiados?
Mas minha inibição para pôr isso no papel foi inicialmente grande. E não foi apenas pela ampla pressão moral. Eu entendia a fatalidade da história pessoal dos refugiados de guerra.
Foi admirável como, de forma altruísta, muitos alemães cuidaram dos recém-chegados – e também o quão grande foi a prontidão demonstrada, aceitando, por exemplo, que ginásios públicos ficassem ocupados pelos refugiados. Você quer ser o estraga prazeres que sabota o sentimento de entusiasmo? Mas isso não deve ser uma razão para esconder a sua própria opinião, assim como a compaixão não pode ser a única causa para a ação política. Então: é preciso falar!
Em reuniões editoriais houve muita controvérsia, onde os céticos da "cultura de boas-vindas" estavam claramente em minoria – exatamente da forma que o estudo descreve. Fora dos círculos jornalísticos, no entanto, o tema foi abordado muitas vezes de maneira mais crítica.
E falando em questões acaloradas, não lembro de um tópico nas últimas décadas que tenha despertado sentimentos tão à flor da pele. Então por que a mídia – incluindo a Deutsche Welle – ignorou o que é a sua tarefa e levou essas preocupações e questionamentos tão pouco em conta? É significativo que, em conversas privadas, meus colegas estrangeiros da Deutsche Welle tenham se expressado de maneira mais crítica em relação à política de Merkel do que os jornalistas alemães. Possivelmente os primeiros se sentem mais livres das amarras da história alemã – que desempenharam um papel importante nisso tudo.
Alguns leitores chegaram a especular na internet que eu provavelmente havia sido demitido, já que fiquei um bom tempo sem escrever textos com posições contra o governo. Mas ainda estou aqui – e posso dizer que nenhum editor nunca impediu algum comentário meu ou tentou influenciar na abordagem.
Essa é uma coisa realmente importante: não é uma questão se a pessoa está certa no seu ceticismo ou se suas opiniões são corretas, mas sim que alguém possa acusar publicamente a chefe de governo de agir de maneira politicamente irresponsável – até mesmo a partir da Deutsche Welle, que é financiada pelo Estado. Isso é liberdade! Essa é a Alemanha!
As imagens que marcaram a crise migratória
Fotos impressionantes do enorme fluxo de migrantes para a Europa em 2015 e 2016 circularam pelo mundo. No Dia Mundial do Refugiado, vale lembrar a perseverança dos que foram forçadas a deixar seus países.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A meta: sobreviver
Uma jornada combinada com sofrimento e perigo para corpo e alma: para fugir da guerra e da miséria, centenas de milhares de pessoas, principalmente da Síria, viajaram pela Turquia para a Grécia em 2015 e 2016. Ainda há cerca de 10 mil pessoas nas ilhas de Lesbos, Chios e Samos. De janeiro a maio deste ano, chegaram mais de 6 mil novos refugiados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A pé até a Europa
Em 2015 e 2016, milhões de pessoas tentaram, a pé, chegar à Europa Ocidental através da Turquia ou da Grécia até a Macedônia, Sérvia e Hungria. Este fluxo não parou mesmo depois de a chamada rota dos Bálcãs ter sido fechada e muitos países terem bloqueado suas fronteiras. Hoje, a maioria dos refugiados vai para a Europa usando a perigosa rota pelo Mediterrâneo através da Líbia.
Foto: Getty Images/J. Mitchell
Consternação mundial
Esta foto chocou o mundo em setembro de 2015: numa praia da Turquia foi encontrado o corpo do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos. A imagem se espalhou rapidamente pelas redes sociais e se tornou um símbolo da crise dos refugiados. Depois dela, a Europa não podia mais se omitir.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DHA
Caos e desespero
Sabendo que a rota de fuga para a Europa seria fechada, milhares de refugiados tentaram desesperadamente entrar em trens e ônibus na Croácia. Alguns dias depois, em outubro de 2015, a Hungria fechou a fronteira e criou campos com contêineres, onde os refugiados seriam mantidos durante a análise de seu pedido de asilo político.
Foto: Getty Images/J. J. Mitchell
Hostilidades
A indignação foi grande quando uma repórter cinematográfica húngara deu uma rasteira num refugiado sírio que corria com um menino no colo. Ele tentava passar por uma barreira policial na fronteira húngara em setembro de 2015. No auge da crise de refugiados aumentavam as hostilidades contra imigrantes, com ataques xenófobos a abrigos de refugiados também na Alemanha.
Foto: Reuters/M. Djurica
Fronteiras fechadas
O fechamento oficial da rota dos Bálcãs, em março de 2016, gerou tumultos nos postos de fronteira, onde milhares de migrantes não puderam mais avançar e houve relatos de violência policial. Muitos, como estes refugiados, tentaram contornar os postos de fronteira entre a Grécia e a Macedônia.
Uma criança ensanguentada coberta de poeira: a fotografia de Omran, de 5 anos, chocou o público em 2016 e se tornou um símbolo dos horrores da guerra civil da Síria e do sofrimento de seu povo. Um ano mais tarde, novas imagens mostrando o menino bem mais feliz circularam na internet. Apoiadores do presidente sírio afirmam que a primeira imagem foi usada para fins de propaganda.
Foto: picture-alliance/dpa/Aleppo Media Center
Em busca de segurança
Um sírio carrega a filha na chuva em Idomeni, entre a Grécia e a Macedônia. Ele procura abrigo na Europa. Segundo o Regulamento de Dublin, o asilo político precisa ser solicitado no primeiro país da União Europeia a que o refugiado chegou. Por isso, muitos que prosseguem viagem são mandados de volta. Por sua localização fronteiriça, Itália e Grécia são os países onde mais chegam refugiados.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Esperança
A Alemanha continua sendo o principal destino dos migrantes, embora a política de refugiados e de asilo do país tenha se tornado mais restritiva após o grande afluxo no final de 2015. Nenhum outro país europeu acolheu tantos refugiados como a Alemanha, que recebeu 1,2 milhão de pessoas desde 2015. A chanceler federal Angela Merkel foi um ícone para muitos dos recém-chegados.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Miséria nos campos de refugiados
No norte da França, um enorme campo de refugiados, a chamada "Selva de Calais", foi fechado. Durante a evacuação, em outubro de 2016, houve um incêndio no acampamento. Cerca de 6.500 moradores foram removidos para outros abrigos na França. Meio ano depois, organizações de ajuda relataram sobre muitos refugiados menores de idade que vivem como sem-teto em volta da cidade de Calais.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Laurent
Afogamentos no Mediterrâneo
ONGs e guardas costeiras estão constantemente à procura de barcos de migrantes em perigo. Eles preferem atravessar o mar em embarcações precárias superlotadas a viver sem perspectivas na pobreza ou em meio à guerra civil. Só em 2017, a travessia já custou 1.800 vidas. Em 2016 foram registrados 5 mil mortos.
Foto: picture alliance/AP Photo/E. Morenatti
Milhares esperam na Líbia
Centenas de milhares de refugiados da África Subsaariana e do Oriente Médio esperam em campos líbios para atravessar o Mar Mediterrâneo. Muitos estão nas mãos de contrabandistas humanos e traficantes de pessoas. As condições nesses locais são catastróficas, dizem ONGs. Testemunhas relatam casos de escravidão e prostituição forçada. Ainda assim, continua vivo o sonho de chegar à Europa.
Foto: Narciso Contreras, courtesy by Fondation Carmignac