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A luta da América Latina por democracia

Thofern Uta
Uta Thofern
30 de dezembro de 2021

A confiança na democracia definha, e o autoritarismo avança na América Latina. Mesmo assim, há razões para otimismo em 2022.

Protestos contra o governo Bolsonaro em São PauloFoto: Jose Lucena/TheNews2/imago images

Adiantando: os ditadores da América Latina estão indo muito bem. Na Nicarágua, Daniel Ortega iniciará seu quinto mandato em janeiro, tendo prendido quase toda a oposição antes das últimas eleições e amordaçado o restante. Em Cuba, Miguel Díaz-Canel resistiu à chuva de protestos inesperados no meio do ano e impediu com sucesso novas tentativas. Para aqueles que não gostam da ilha, o amigo Ortega tem oferecido recentemente viagens sem visto − um gesto simpático à la Lukashenko, porque a ideia, é claro, é que os refugiados cubanos aumentem a pressão migratória sobre os EUA.

E ainda há a Venezuela, onde o chefe de Estado, Nicolás Maduro, pode assistir com prazer enquanto a própria oposição se desmancha. O Parlamento, eleito democraticamente pela última vez em 2015, acaba de aprovar uma nova prorrogação do mandato do presidente interino, Juan Guaidó. Mas sua legitimidade está desmoronando, e importantes representantes da oposição dividida retiraram seu apoio. Os partidários de Guaidó nos EUA e na União Europeia só podem esperar a menor atenção possível ao assunto, pois o fracasso dele poderia ser constrangedor.

Ditadores potenciais ou autoproclamados, como o presidente de El Salvador, Nayib Bukele − que, entretanto, trocou o título por "CEO" em sua conta no Twitter − de qualquer forma não dão mais importância às opiniões da Europa ou dos Estados Unidos. Bukele continua desfrutando de grande popularidade em El Salvador com seu comportamento machista. Embora sua introdução do bitcoin tenha provocado protestos, o enfraquecimento da separação dos Três Poderes atraiu menos atenção.

Concorrência para o Ocidente

O chamado mundo ocidental também está vendo cada vez mais na América Latina que suas ofertas não são mais tão irresistíveis e que suas ameaças não são mais tão eficazes. Com a Rússia e a China, outros parceiros estão disponíveis para ditadores, autocratas, cleptocratas e para aqueles que o querem ser. Estados que não questionam direitos humanos, democracia e Estado de direito. Estados que sabem como esconder o próprio autoritarismo por trás de fortes críticas e dúvidas sobre a integridade da comunidade ocidental de valores.

Críticas que, aliás, muitas vezes se justificam, afinal de contas, também nas democracias são tomadas decisões erradas terríveis. Mas, ao contrário da Rússia ou da China, porém, os governos nas democracias podem ser substituídos por meio das urnas.

E enquanto o crescimento constante da imigração aumenta a pressão sobre o sistema social dos Estados Unidos e alimenta a polarização, a Rússia e a China não têm que temer tal desafio, pois ninguém quer ir para lá. Apesar de todas as críticas aos Estados Unidos, o país continua sendo a opção dos latino-americanos que fogem da violência, da desigualdade social e da falta de oportunidades. Nos últimos anos e décadas, muitas pessoas têm perdido a esperança de alcançar mudanças positivas em seu próprio país através de suas próprias ações.

O exemplo chileno

Ainda mais poderoso parece ser o sinal dado pelo Chile nos últimos dias (e meses): em uma democracia, uma sociedade civil vigilante pode mudar muitas coisas; em uma democracia, uma mudança pacífica de governo é possível; uma democracia pode até se dotar de uma nova Constituição. O que aconteceu no Chile refuta não só dúvidas sobre a democracia chilena, mas também dúvidas sobre a capacidade de funcionamento dos sistemas democráticos em geral.

O recém-eleito presidente Gabriel Boric mostrou que é possível transformar protestos poulares em política. Ao reconhecer rapidamente seu triunfo eleitoral, seus oponentes demonstraram o que é o decoro democrático. A população chilena mostrou, com sua alta participação nas urnas, que deixou de lado a resignação. E o resultado das eleições prova que o engajamento político vale a pena. Naturalmente, Boric também terá que passar pelo teste da realidade, pois terá que lutar diariamente por maiorias para implementar suas políticas. E a nova Constituição ainda precisa ser redigida e submetida a um plebiscito. Os processos democráticos são mais lentos do que as decisões relâmpago dos autocratas, mas são mais sustentáveis.

Colômbia: novo plebiscito sobre acordo de paz

A democracia colombiana também é frequentemente posta em questão, e há muitas boas razões para duvidar do sistema de valores de representantes da classe política. Entretanto, há condições básicas para mudanças através de eleições, a Colômbia está familiarizada com a transferência pacífica do poder, e o presidente em exercício, Iván Duque, conhece a fidelidade constitucional. Afinal, ele não rasgou o acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, mas continuou a implementá-lo, embora de forma vacilante e incompleta.

As eleições parlamentares e presidenciais de 2022 poderiam ser um novo plebiscito sobre como continuar tratando o acordo de paz, que ainda sofre com a mancha do referendo fracassado de 2016. Estas eleições também podem dar voz e mandato à parte pacífica do movimento de protesto social dos últimos meses, mostrando que a violência não é um requisito necessário para a mudança.

Resiliência da democracia brasileira

O Brasil será o próximo teste para a democracia, que, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, tão autocrático quanto imprevisível, se mostrou capaz de sobreviver. As eleições federais e presidenciais de outubro de 2022 mostrarão quão fortes são as correntes democráticas e quão influente é a sociedade civil.

O ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva tem boas chances, dadas suas alianças com outros setores políticos, mas ele não chega mais a representar uma verdadeira ruptura política. Entretanto, Lula poderia, como homem de transição, garantir que a crença na democracia no Brasil fosse novamente fortalecida.

Possivelmente o Brasil terá que ir às urnas mais uma vez para obter uma política que ofereça alternativas ao dilema entre o estado de bem-estar social e o capitalismo predatório, e proporcione ao país um modelo econômico sustentável.

Na última década, mais de 2 milhões de brasileiros deixaram seu país, assim como milhões de outros do México, Honduras, Guatemala, Haiti, ou de ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Em situações difíceis, esperar por mudanças é pedir demais. Mudanças são difíceis e levam tempo. Mas em uma democracia isso é mais viável do que em uma ditadura.

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Uta Thofern é chefe do Departamento América Latina da Deutsche Welle, do qual a DW Brasil faz parte. 

O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.
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