A prisão do crítico do Kremlin ao chegar em Moscou já era esperada, o que torna seu retorno uma jogada arriscada. Mas isso não deve fortalecer a oposição russa, opina Juri Rescheto.
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Primeiro, as boas notícias – boas do ponto de vista de todos os oponentes do presidente russo, Vladimir Putin: Alexei Navalny, o mais ruidoso de todos os críticos do Kremlin está de volta. Em forma e cheio de energia.
É verdade que Navalny foi preso imediatamente após sua chegada ao aeroporto de Sheremetyevo, em Moscou, no domingo (17/01). Mas, por enquanto, ele está "apenas" detido em prisão preventiva – e tem apoiadores que estão dispostos a continuar lutando por sua causa, mesmo que ele acabe ficando na prisão por mais tempo.
Uma forma de manter a luta seria nas próximas eleições parlamentares, marcadas para setembro. Usando o chamado sistema de "votação inteligente" de Navalny, eles pretendem retirar o maior número possível de eleitores do partido governista Rússia Unida, reduzindo ao máximo o apoio à sigla de Putin.
Uma arma embotada?
A estratégia pode até funcionar, como funcionou em algumas eleições regionais no ano passado. Mas não vai mudar realmente o sistema político russo e nem fortalecer a oposição. Afinal, a Rússia não tem uma oposição de verdade, e sim apenas uma pseudo-oposição fraca de grupos alinhados que deixam passar todas as decisões do Kremlin sem a menor contestação.
Isso não vai mudar com a volta de Navalny. E essa é a má notícia – e não apenas para os oponentes de Putin.
O adversário mais perigoso de Putin
Alexei Navalny é uma marca – carismático, destemido, determinado e conhecido muito além das fronteiras de sua terra natal. Mais do que isso: ele se tornou o político de oposição mais importante da Rússia, alguém que o Kremlin aparentemente teme de verdade. Isso ficou bem claro pela reação completamente exagerada do governo ao seu retorno.
Dezenas de viaturas policiais, centenas de seguranças e imprensa barrada: a área de desembarque do aeroporto de Vnukovo, onde Navalny deveria aterrissar, parecia uma fortaleza. A resposta do governo foi claramente uma demonstração de poder do Estado contra seu cidadão mais indomável.
Isso tudo pode parecer dramático, mas só serve para reforçar a imagem de Navalny de lutador. Enfim as autoridades não o veem mais como um "blogueiro insignificante" ou um "paciente em Berlim" – termos frequentemente usados pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Seu chefe, Putin, não se digna nem mesmo a mencionar o nome de Navalny.
O judiciário da Rússia já teve várias chances de colocar Navalny atrás das grades por muito tempo. Mas não o fez – aparentemente, por ordem do Kremlin. Fazer isso seria "honra" demais para um "blogueiro insignificante"; seria dar muita atenção a ele. Agora, isso aparentemente mudou. Navalny se tornou muito conhecido e, em última análise, também muito perigoso para Putin.
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Lutador corajoso e solitário
Mas Navalny continua lutando sozinho. Por trás dele, não há nenhum partido; nenhuma multidão unida em sua causa.
Seus vídeos sobre funcionários corruptos são vistos milhões de vezes. E há alguns anos, muitos apoiadores – a maioria jovens – atenderam ao seu apelo para tomar as ruas contra o Estado. Mas o governo respondeu aos protestos de maneira violenta: milhares foram detidos e alguns foram parar na prisão. Desde então, eles têm sido sistematicamente intimidados.
Poucos dias antes da chegada de Navalny, um grupo de ativistas postou um apelo online para que seus seguidores recebessem o crítico do Kremlin no aeroporto. Logo depois, apoiadores de Navalny em Moscou e São Petersburgo receberam uma visita da polícia. Outros ativistas da oposição também foram ameaçados de prisão, caso ousassem mostrar o rosto no aeroporto. E pouco antes da chegada de Navalny, a polícia realizou dezenas de detenções no aeroporto. Tudo isso é prova de que o Kremlin continua sendo um oponente avassalador.
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Juri Rescheto é correspondente da DW em Moscou. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.
Uma história de envenenamentos políticos
Há mais de um século, agências de inteligência usam o envenenamento para silenciar opositores. Vítima mais recente deste método teria sido Alexei Navalny. Substâncias utilizadas vão desde toxinas a agentes nervosos.
Foto: Imago Images/Itar-Tass/S. Fadeichev
Alexei Navalny
Em agosto de 2020, o líder da oposição russa Alexei Navalny foi levado às pressas para um hospital na Sibéria após passar mal num voo para Moscou. Seus assessores dizem que ele foi envenenado como vingança por suas campanhas anticorrupção. O ativista foi transferido em coma para a Alemanha dias depois, onde exames confirmaram o envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novichok.
Foto: Getty Images/AFP/K. Kudrayavtsev
Pyotr Verzilov
Em 2018, o ativista russo-canadense Pyotr Verzilov ficou em estado grave após ter sido supostamente envenenado em Moscou. Tudo aconteceu logo após ele ter dado uma entrevista na TV criticando o sistema jurídico russo. Verzilov, porta-voz não oficial da banda Pussy Riot, foi transferido para um hospital em Berlim, onde os médicos disseram ser "muito provável" que ele tenha sido envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass/A. Novoderezhkin
Sergei Skripal
Também em 2018, Sergei Skripal, um ex-espião russo de 66 anos, foi encontrado inconsciente num banco do lado de fora de um shopping na cidade britânica de Salisbury após ser exposto ao agente nervoso Novichok. Na época, o porta-voz de Moscou, Dmitry Peskov, chamou a situação de "trágica" e disse que não tinha "informações sobre qual poderia ser a causa" do incidente. Skripal sobreviveu ao ataque.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass
Kim Jong Nam
O meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong Un, foi morto em 13 de fevereiro de 2018 no aeroporto de Kuala Lumpur, depois que duas mulheres supostamente espalharam o agente químico nervoso VX em seu rosto. Num tribunal da Malásia, foi revelado que Kim Jong Nam carregava uma dúzia de frascos de antídoto para o agente nervoso mortal VX em sua mochila no momento do ataque.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Kambayashi
Alexander Litvinenko
O ex-espião russo Litvinenko trabalhou no Serviço de Segurança Federal (FSB), em Moscou, antes de desertar para o Reino Unido, onde escreveu dois livros cheios de acusações contra o FSB e Vladimir Putin. Ele adoeceu após se encontrar com dois ex-oficiais da KGB e morreu em novembro de 2006. Um inquérito descobriu que ele foi envenenado com polônio-210, que teriam colocaram em seu chá.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kaptilkin
Viktor Kalashnikov
Em novembro de 2010, médicos do hospital Charité detectaram altos níveis de mercúrio num casal de dissidentes russos que trabalhava na capital alemã. Kalashnikov, um jornalista freelancer e ex-coronel da KGB, tinha 3,7 microgramas de mercúrio por litro de sangue, enquanto sua esposa tinha 56 microgramas. Um nível seguro é de 1-3 microgramas. Kalashnikov acusou Moscou de tê-los envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/RIA Novosti
Viktor Yushchenko
O líder da oposição ucraniana Yushchenko adoeceu em setembro de 2004 e foi diagnosticado com pancreatite aguda causada por uma infecção viral e substâncias químicas. A doença resultou em desfiguração facial, com marcas parecidas com a de varíola, inchaço e icterícia. Os médicos disseram que as mudanças em seu rosto foram causadas pela cloracne, que é resultado do envenenamento por dioxina.
Foto: Getty Images/AFP/M. Leodolter
Khaled Meshaal
Em 25 de setembro de 1997, a agência de inteligência de Israel tentou assassinar Khaled Meshaal, líder do Hamas, sob ordens do premiê Benjamin Netanyahu. Dois agentes espalharam uma substância venenosa no ouvido de Meshaal quando ele entrou nos escritórios do Hamas em Amã, na Jordânia. A tentativa de assassinato fracassou e, não muito depois, os dois agentes israelenses foram capturados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Sazonov
Georgi Markov
Em 1978, o dissidente búlgaro Markov aguardava num ponto de ônibus após um turno na BBC quando sentiu uma pontada forte na coxa. Ele se virou e viu um homem segurando um guarda-chuva. Uma pequena saliência apareceu onde ele sentiu a pontada e quatro dias depois ele morreu. Uma autópsia descobriu que ele havia sido morto por um pequeno projétil contendo uma dose de 0,2 miligrama de ricina.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/Stringer
Grigori Rasputin
Em dezembro de 1916, o curandeiro místico e espiritual Rasputin chegou ao Palácio Moika, em São Petersburgo, a convite do Príncipe Félix Yussupov. Lá, o princípe ofereceu a Rasputin bolos contaminados com cianeto de potássio, mas nada aconteceu. Yussupov então deu a ele vinho em taças com cianeto, mas Rasputin seguiu bebendo. Diante da ineficácia do veneno, Rasputin foi morto a balas.