Neste dia de eleições nos Estados Unidos, dois anos depois de Donald Trump ganhar a Presidência, não houve mais racionalizações. Ninguém mais pôde dizer que o presidente Trump é só papo e nenhuma ação. Ninguém mais pôde afirmar que um Congresso controlado por republicanos, dirigido por legisladores experientes, orientaria e, caso necessário, repreenderia o novato na Casa Branca. E ninguém mais pôde argumentar que o peso do cargo presidencial ou os funcionários do governo – os chamados "adultos na sala" – impediriam Trump de agir de acordo com seus piores ímpetos.
Todas essas racionalizações e justificativas, segundo as quais Trump poderia até ser aceitável, já eram altamente duvidosas em 2016. Hoje são totalmente impensáveis, depois de o mundo vivenciar os primeiros dois anos de Trump na Presidência. Pois, nesse período, ele foi ainda mais tóxico, abominável e feroz do que durante sua campanha eleitoral – uma situação que, há dois anos, era praticamente inimaginável.
O demagogo-chefe, que recentemente declarou ser um nacionalista, alimentou repetidamente o temor perante imigrantes hispânicos, afro-americanos, muçulmanos e outras minorias, frequentemente ao adotar a chamada dog-whistle politics (política do apito canino, em tradução livre) – uma mensagem política que emprega conceitos aparentemente inócuos, mas que têm potencial de controvérsia e cujo significado "correto" é entendido apenas por uma parte específica do público, sendo ignorado pelos demais.
Trump declarou a mídia como "o inimigo do povo" e os democratas opostos a suas políticas como "não-americanos". Fez tudo isso usando uma retórica codificada com informações falsas, teorias da conspiração, meias verdades e mentiras descaradas, utilizadas como arma política com o objetivo de enfraquecer os conceitos de verdade e fato.
Mas Trump também agiu impulsivamente. Reiteradamente, se recusou a condenar claramente a extrema direita, como em Charlottesville. Iniciou uma repressão brutal a imigrantes sem documentação legal e tentou tudo ao seu alcance para impedir vários grupos de não americanos – refugiados, requerentes de asilo, migrantes – de entrar nos Estados Unidos. Partiu para a demolição das relações transatlânticas, retirou o país de acordos e organizações internacionais cruciais e se aproximou de autocratas.
Então, apesar de tudo isso, como é que os americanos não protestaram em massa contra Trump e os republicanos e inverteram as forças do Congresso?
Qualquer um que tenha viajado pelo país e falado com americanos nos últimos meses pôde perceber que os Estados Unidos estão amargamente divididos. Enquanto democratas e o chamado movimento de resistência se mostram profunda e justamente enfurecidos diante da conduta de Trump, os apoiadores do presidente e do Partido Republicano demonstram apoio igualmente profundo, ainda que equivocado, ao presidente – e fúria contra a indignação democrata.
Essa situação, associada a uma divisão de distritos de votação extremamente manipulada, que, em muitos locais, prejudicou favoritos democratas e impulsionou os esforços dos republicanos de eliminar possíveis votos para os adversários, tornou uma vitória democrata mais ampla algo mais difícil.
Por todos esses motivos, as legislativas tiveram o resultado que tiveram. Os democratas conquistaram o mínimo que precisavam e retomaram a Câmara dos Representantes para estabelecer algum tipo de controle de Trump, enquanto os republicanos obtiveram mais cadeiras no Senado. Isso é normal em eleições de meio mandato.
Porém, os democratas perderam a esperança de assumir governos estaduais ou vagas no Senado na Flórida e no Texas que virassem o jogo, talvez até conseguindo uma maioria no Senado. Isso não aconteceu. A esperada e prevista "onda azul" não se materializou. Colocado de forma diferente, Trump e seus apoiadores podem e vão declarar que suas táticas alarmistas foram bem-sucedidas e encolheram a onda azul para uma "marolinha".
Apesar da maioria conquistada pelos democratas na Câmara, o quadro após essas legislativas é extremamente difuso.
A boa notícia para o país e para o mundo é que, agora, Trump deverá finalmente enfrentar sérias resistências a algumas de suas políticas mais absurdas, e que o cenário dos horrores, no qual o Partido Republicano retém o poder nas duas câmaras do Congresso, foi evitado. Ótima notícia dessas eleições de meio mandato é que um número recorde de mulheres foi eleita para o Congresso, incluindo a primeira indígena e a primeira muçulmana – todas do lado democrata.
A má notícia para os Estados Unidos e para o mundo é que esse resultado também sinaliza que o trumpismo se tornou normal, o que certamente será notado pelos vários "mini-Trumps" espalhados pelo planeta. Por causa disso e porque não se pode fingir – como em 2016 – que não se sabe o que é o trumpismo, o resultado dessa eleição, de alguma forma, dói mais do que a vitória de Trump há dois anos.
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