O acordo fechado na reunião de cúpula da UE sobre a neutralidade climática, que prevê zerar as emissões de carbono do bloco até 2050, mostra quão isolada é a posição da Alemanha nesse tema, opina Christoph Hasselbach.
Anúncio
Você tem que primeiro ser capaz de alcançar uma decisão unânime, prevendo que um país estará isento. E isso foi exatamente o que o Conselho Europeu fez: os 27 chefes de Estado e de governo (o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, estava ausente por razões compreensíveis) concordaram que os países-membros da UE devem atingir a neutralidade climática até 2050, incluindo a Polônia. No entanto, foi dada à Polônia a concessão de que ela poderá demorar mais tempo para atingir esse objetivo. Quanto tempo, porém, permanece em aberto.
Com essa manobra, Ursula von der Leyen pôde, com grande esforço, salvar as aparências. Logo no início de seu mandato, a nova presidente da Comissão Europeia quis mostrar o que a UE e ela eram capazes de fazer: paralelamente à Conferência Mundial sobre o Clima, em Madri, e pouco antes da reunião de cúpula da UE, ela anunciou o grande objetivo de "neutralidade climática para a Europa em apenas 30 anos". Ela chegou a comparar a medida com o primeiro pouso na Lua – como se a neutralidade climática fosse um evento com uma data exata.
Dessa forma, ela colocou os governos dos países-membros da UE sob pressão. Se pelo menos um único país se recusasse a tomar a decisão, o conselho dos chefes de Estado e de governo teria apunhalado Von der Leyen pelas costas e a UE, como um todo, teria ficado envergonhada até os ossos. Portanto, agora, esta unanimidade hipócrita.
Mas concessões eram necessárias. A Polônia não só pode praticamente determinar por si mesma quando desligará suas muitas usinas a carvão – atualmente, o país obtém quase 80% de sua eletricidade a partir do carvão. República Tcheca, Hungria e Polônia também conseguiram que a energia nuclear fosse explicitamente mencionada na declaração final da reunião de cúpula como uma fonte de energia que está no caminho da neutralidade climática.
Por trás disso, é claro, está o presidente francês Emannuel Macron, supostamente o aliado mais próximo da Alemanha. É sabido que a França, que produz a maior parte de sua eletricidade em usinas nucleares livres de emissões de CO2, planeja vários novos reatores nucleares e não vê por que isso não deve ser recompensado como uma contribuição à proteção do clima.
Por outro lado, a Alemanha está abandonando num espaço de tempo relativamente curto a energia à base de carvão e nuclear. Nenhum outro país europeu segue este caminho e parece que isso continuará dessa forma.
O quão pouco o modelo alemão é visto como exemplo foi claramente demonstrado nesta reunião de cúpula. Pior ainda: mesmo que Ursula von der Leyen seja responsável por toda a UE, muitos europeus do Leste a veem como a alemã que, em nome da UE, também está tentando implementar uma agenda alemã na política climática.
Isso já deu errado uma vez: a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, também queria fazer da sua posição sobre a política migratória uma política para toda a União Europeia – e fracassou. Agora, os alemães devem observar o fato de que outros países também têm ideias diferentes sobre a política climática.
Protestos contra a energia atômica deram origem ao Partido Verde mais forte do mundo. Eles obtiveram muitas vitórias desde os anos 70, mas também registraram reveses.
Foto: AP
Nasce um movimento
O movimento antinuclear despontou na Alemanha já no início dos anos 1970, com os protestos contra os planos para a construção de uma usina nuclear em Wyhl, perto da fronteira com a França. A polícia foi acusada de empregar força excessiva para conter os manifestantes. Mas, no fim, estes venceram, e o projeto nuclear foi arquivado em 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Desobediência civil
Animados pelo sucesso em Wyhl, no fim da década de 70 protestos semelhantes de desobediência civil se realizaram em Brokdorf e Kalkar. Embora não tenham conseguido evitar a instalação dos reatores, eles provaram que o movimento antinuclear ganhava força no país.
Foto: picture-alliance / dpa
Não ao lixo radioativo
A cidade de Gorleben tornou-se palco de protestos veementes contra a indústria nuclear desde que, em 1977, foram anunciados planos de usar uma mina de sal desativada como depósito para resíduos atômicos. Apesar de a área próxima à fronteira da extinta Alemanha Oriental ser pouco populosa, seus habitantes logo deixaram claro que não aceitariam sem luta ter material radioativo perto de seus lares.
Foto: picture-alliance / dpa
Um passo para a bomba?
Desde o início, o movimento antinuclear alemão reuniu organizações religiosas, agricultores e moradores apreensivos, lado a lado com ativistas estudantis, acadêmicos e pacifistas, que viam uma conexão entre energia nuclear e a bomba atômica. Como país ao longo da fronteira da Guerra Fria, o medo de um conflito nuclear pairava na mente de muitos alemães.
Foto: AP
Ingresso na política partidária
No fim dos anos 70, ativistas antinucleares se juntaram a outros defensores do meio ambiente e da justiça social para formar o Partido Verde. Tendo conquistado seus primeiros assentos no parlamento federal em 1983, hoje ele é uma força política estabelecida na Alemanha, e possivelmente o Partido Verde mais forte do mundo.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Pfund
Os piores medos se tornam realidade
Em 1986, o derretimento nuclear de um reator a centenas de quilômetros, em Tchernobil, na Ucrânia, espalhou partículas radioativas pela Europa e fortaleceu a resistência à energia nuclear entre a opinião pública da Alemanha. O Partido Verde estava no poder em Hessen, mas o secretário do Meio Ambiente, Joschka Fischer, disse que não seria possível fechar de imediato as usinas do estado.
Foto: picture-alliance / dpa
Lei sela fim da energia atômica
Em 1998, os verdes passaram a integrar o governo federal da Alemanha, como parceiro minoritário do Partido Social-Democrata. Em 2002, essa coalizão "rubro-verde" aprovou uma lei proibindo novas usinas nucleares e reduzindo a vida útil das existentes, de modo que as últimas fossem desativadas em 2022.
Foto: picture-alliance / dpa
Mantendo a pressão
Mesmo com o fim da energia atômica à vista, o movimento antinuclear ainda tinha muito contra o que protestar. Numerosos ativistas, inclusive do Partido Verde – cujos então líderes Jürgen Trittin e Claudia Roth são vistos nesta foto de 2009 – exigiam um fim bem mais rápido dos reatores, dentro de uma onda antinuclear global.
Foto: AP
Parem este trem!
Continuava em aberto a questão de o que fazer com os resíduos radioativos dos reatores da Alemanha. Em 1995, os bastões irradiados eram reprocessados no exterior e depois trazidos de volta em trens para o depósito em Gorleben. Anos a fio, os assim chamados "transportes Castor" foram recebidos com protestos de ativistas, que sentavam sobre os trilhos dos trens até serem removidos pela polícia.
Foto: dapd
Merkel reverte decisão dos verdes
A União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, sempre se opusera à lei limitando a vida útil das usinas nucleares. Assim, em 2009, ao formar uma coalizão com os liberais, o partido anulou a medida, num duro golpe para o movimento antinuclear.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Ebener
Fukushima força Merkel a rever a própria decisão
Em 2011, o derretimento nuclear de três reatores em Fukushima, no Japão, forçou o governo de Merkel a voltar atrás rapidamente. Poucos dias após o desastre, Berlim aprovava uma lei estabelecendo o fechamento da última usina nuclear da Alemanha em 2022. O processo de desativação gradual foi retomado, com oito reatores sendo desligados já em 2011.