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A visão retrógrada da Alemanha sobre mães trabalhadoras

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Sonya Angelica Diehn
21 de abril de 2021

A possibilidade de uma mulher com filhos se tornar chanceler federal alemã chamou atenção para preconceitos sobre mães que trabalham e dificuldades para conciliar maternidade e carreira no país, opina Sonya Diehn.

Annalena Baerbock, candidata a chanceler federal pelo Partido Verde, distribui brinquedos em creche em BrandemburgoFoto: Patrick Pleul/dpa/picture alliance

O Partido Verde alemão apresentou Annalena Baerbock – uma mãe trabalhadora – como sua candidata a chanceler federal. Considerando a ascensão da legenda em toda a Alemanha, a política de 40 anos tem chances reais de assumir o principal cargo do país.

A indicação dela envia um sinal: uma mulher que viveu através da geração pós-Muro de Berlim representa a Alemanha moderna. De qualquer forma, melhor do que os velhos homens rabugentos que os conservadores apresentaram.

Como mãe trabalhadora, eu estou entusiasmada com a indicação dela. Minhas orelhas se levantaram quando soube das reações nas redes sociais a uma questão abordada na grande mídia alemã: "Crianças e a chancelaria federal: elas podem ser reconciliadas?"

Essa é uma frase real que foi publicada em um artigo online (em alemão) após o anúncio da candidatura de Annalena Baerbock. Está entre muitas declarações que questionam a capacidade das mães trabalhadoras – como Annalena Baerbock – de cuidar adequadamente de seus filhos.

Para mim, que vivo na Alemanha há mais de uma década, a ideia de que Annalena Baerbock não está apta para o cargo de liderança porque tem filhos não foi uma grande surpresa. Apesar de uma generosa política de licença-maternidade e paternidade, quando se trata de emprego e maternidade, alemães de todo o espectro têm visões surpreendentemente antiquadas.

Não sei dizer o número de vezes que ouvi o termo "Rabenmutter" ("Mãe corvo") em relação a uma mãe trabalhadora na Alemanha. É um termo antiquado para se referir a mães que "abandonam seus ninhos" para trabalhar, deixando seus "filhotes" se virando sozinhos. (Na realidade, corvos são aparentemente mães muito atentas, portanto, por favor, ignorem a difamação da ave).

Mas a visão negativa dos alemães sobre mães trabalhadoras é muito mais insidiosa: o fato de Annalena Baerbock ser sugerida como inadequada para ser chanceler federal porque é uma mãe que trabalha reflete uma atitude que não só está profundamente enraizada, mas também, em certa medida, institucionalizada na Alemanha – particularmente na área de cuidado infantil.

Dois pesos, duas medidas

O fato de Annalena Baerbock ser mãe de duas crianças pequenas (nascidas em 2011 e 2015) está desproporcionalmente presente nas reportagens sobre ela – especialmente quando comparado à quase ausência de qualquer menção a filhos em reportagens sobre seus colegas conservadores do sexo masculino. (O candidato conservador Armin Laschet tem três filhos crescidos, enquanto Markus Söder – até recentemente também na corrida – tem quatro filhos, sendo os dois mais novos nascidos em 2004 e 2007).

E em algumas reportagens, o foco é esse: há uma fixação em Baerbock como mãe, com a implicação de que isto não pode ser conciliado com o trabalho de peso de um político.

Não me interpretem mal, esta pergunta está fundamentada em uma realidade que as mães trabalhadoras devem enfrentar: mesmo com um trabalho "regular", nem sempre é fácil conseguir o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, particularmente se você tem filhos. E na Alemanha, felizmente, muitos empregadores são flexíveis com os horários de trabalho e com a possibilidade de uma redução da carga horária para permitir que os pais possam cuidar de seus filhos.

Mas o triste fato é que, particularmente em termos de cuidado infantil, o sistema alemão está configurado de modo a sacrificar a vida profissional de um dos pais – geralmente, a da mãe.

O desafio de conseguir uma creche pública na Alemanha

A falta de vagas para crianças em creches subsidiadas pelo governo é um assunto notório entre novos pais na Alemanha.

Em teoria, todo alemão tem direito a uma vaga subsidiada pelo Estado em uma creche a partir do primeiro ano de vida do filho. A realidade, no entanto, é muito diferente.

Pais que esperam um bebê partem em busca de uma vaga numa creche já durante a gravidez, colocando seus nomes em listas de espera e checando persistentemente. E mesmo isso não garante a obtenção de uma vaga, pois há uma enorme lacuna.

Em todo o país, cerca de 14% das crianças menores de 3 anos não têm vaga em creches com financiamento público. Esse número varia regionalmente – os estados da antiga Alemanha Oriental geralmente têm melhor cobertura, devido provavelmente a seu legado comunista.

O estado alemão onde vivo, Renânia do Norte-Vestfália (que também é o estado natal do candidato conservador a chanceler federal, Armin Laschet, atualmente governador daqui), esse número é de 19%. E na cidade em que vivo, Bonn, é de 21%. Em todo o país, isso equivale a uma carência de 342 mil vagas em creches para crianças menores de 3 anos; na pequena cidade de Bonn, são quase 2 mil.

Uma breve anedota: no meu bairro no centro de Bonn, há pelo menos meia dúzia de creches no raio de uma caminhada de 10 minutos. Depois que nosso filho nasceu, nós nos candidatamos a todas elas – e não conseguimos nenhuma vaga.

A maioria das creches exige uma candidatura, e algumas são bastante extensas, nas quais você lista sua ocupação e até mesmo envia uma foto da família. Durante o processo, senti como se estivesse me candidatando a um emprego.

Uma creche para a qual liguei me disse que, para duas vagas disponíveis, havia 200 candidatos. Portanto, tínhamos apenas 1% de chance de conseguir uma vaga.

Basta dizer que nosso filho tem 2 anos agora e ainda não está numa creche. A cidade nos ajudou a encontrar uma solução, uma creche em casa (Tagesmutter), com a qual estamos muito felizes. O único porém é que ela funciona até as 15h (14h às sextas-feiras).

Portanto, gostaria de salientar que, embora nosso filho esteja tecnicamente "coberto" e estatisticamente não incluído nos 21% das crianças de Bonn sem creche, ele só é atendido até o início da tarde.

E você pode se perguntar: como isso deve funcionar? Bem, você poderia colocar seu filho em uma creche particular e pagar cerca de 1.000 euros (R$ 6.700) por mês (não muito melhor que nos Estados Unidos, meu país de origem, onde os pais lamentam a proporção insana de seu salário que vai para a creche).

Ou um dos pais sacrifica sua carreira. Na maioria das vezes, a mãe. Em nossa família, chamamos isso de "armadilha para os pais" (no nosso caso se aplica, excepcionalmente, ao pai).

Como mãe, Annalena Baerbock provavelmente está muito ciente dessa situação. Eu espero que ela se torne a próxima chanceler federal alemã. Ela pode ajudar as mães que trabalham não apenas desafiando o preconceito da "mãe corvo", talvez também possa fazer avançar algumas políticas para enfrentar a "armadilha para os pais".

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Sonya Diehn é jornalista da DW e vive na Alemanha desde 2009. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.