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Adeus à democracia no Hindu Kush?

Florian Weigand
1 de março de 2020

Os EUA e o Talibã fecharam um acordo de paz. Com uma eventual retirada do Ocidente, o Afeganistão fica com um futuro incerto. Mas, para muitos, a paz é o objetivo final mais importante, opina Florian Weigand.

Assinatura do acordo entre os EUA e o Talibã, em DohaFoto: Reuters/I. al Omari

Se você suprimir do acordo de paz de Doha todos os ornamentos diplomáticos, resta apenas uma coisa: a capitulação do Ocidente diante de notórios terroristas islâmicos que tentaram passar um ar de moderação para melhorar sua imagem pública.

Que concessões os Estados Unidos fizeram em troca? Eles dignificaram os talibãs, dando-lhes condições iguais nas negociações. E agora se comprometeram a retirar todas as tropas ocidentais do Afeganistão em 14 meses. O governo afegão, que realmente não tinha um papel relevante a desempenhar, agora deve aceitar de má vontade esse acordo.

Ao mesmo tempo, não houve concessões por parte do Talibã. É certo que o Afeganistão não representará mais uma ameaça terrorista para o Ocidente. Mas esse não tem sido o caso desde a intervenção militar dos EUA em 2001, apesar de o Talibã ter consolidado seu poder constantemente em certas regiões do país.

O grupo tem apenas o Afeganistão e o Paquistão à vista, ao contrário do autoproclamado "Estado Islâmico" (EI), que tem uma visão internacional. Se o grupo foi realmente derrotado na cordilheira do Hindu Kush, como costuma ser propagandeado – ou está apenas se escondendo até se sentir seguro de que não há mais caças dos EUA rasgando os céus – é uma questão crucial, mas ainda sem resposta para a comunidade internacional.

Apenas promessas vagas foram obtidas no acordo. Não há nada vinculativo na proteção dos direitos humanos, no respeito à Constituição do Afeganistão e em relação aos direitos das mulheres – conquistados a duras penas e sempre ameaçados. É doloroso ver ativistas dos direitos das mulheres tentando parecer confiantes durante entrevistas para emissoras de TV do Afeganistão, alegando que o Talibã de hoje é diferente daquele de ontem. Esse é realmente o caso? O vice-líder do grupo escreveu recentemente em um artigo de opinião para o New York Times que os direitos das mulheres devem permanecer, mas apenas da forma "como o Islã estabelece".

O Ocidente e o governo central em Cabul, por outro lado, devem honrar muitos compromissos concretos. As tropas dos EUA serão retiradas se o Talibã cumprir o acordo. O governo de Cabul foi instado a realizar uma troca de prisioneiros. Nesse caso, o Talibã libertaria mil partidários do governo contra 5 mil combatentes do grupo que permanecem nas prisões do governo. Isso é um grande ganho para os talibãs. Dentro de alguns dias, eles garantirão – militarmente falando – mais meia divisão de combatentes. É uma valiosa moeda de troca no campo de batalha, bem como em futuras negociações com o governo afegão, que deverão começar daqui a dez dias.

Como se espera que essas conversas deem frutos num futuro próximo permanece um mistério. Cabul ainda não conseguiu formar um governo totalmente funcional. Alguns dias atrás, o presidente Ashraf Ghani tentou tomar posse formalmente para um novo mandato, mas um de seus oponentes, Abdullah Abdullah, tem reclamado o cargo para si mesmo e ameaça formar um governo paralelo. Abdullah  afirma que os resultados eleitorais foram manipulados a favor de Ghani. Esse tipo de disputa torna mais fácil para o Talibã jogar seus parceiros de negociação um contra o outro.

Uma coisa é certa, no entanto: o Afeganistão democrático como o conhecemos hoje – com todas as suas falhas e fraquezas – deixará de existir. Ainda não se sabe até que ponto a democracia e o "Emirado Islâmico à moda Talibã" podem coexistir em uma nova união constitucional.

Para a maioria dos afegãos, o acordo de Doha pelo menos traz algum vislumbre de esperança. Talvez a luta termine e as famílias não precisem mais enterrar vítimas da guerra e do terrorismo. Muito isso depende de o Ocidente ser capaz e estar disposto a insistir para que o Talibã cumpra suas promessas. Igualmente importante é apoiar ativamente um governo em Cabul. A paz sempre oferece a oportunidade de mudanças positivas. Até mesmo o Talibã não pode excluir permanentemente o país das relações internacionais, seja através da mídia social ou do comércio internacional.

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