Um comunicado duro do governo, uma declaração da chanceler federal, a convocação do embaixador: caso Navalny endureceu o tom alemão em relação ao presidente Putin, opina Jens Thurau.
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A reação não pode ser mais decisiva: desde que o oposicionista russo Alexei Navalny está internado no hospital Charité em Berlim, ou seja, desde 22 de agosto, pairam no ar os questionamentos sobre quando e, principalmente, como o governo alemão reagiria ao óbvio envenenamento do crítico do regime russo. Falou-se muito de indignação, mas nem a chanceler federal Angela Merkel, nem o Ministério do Exterior quiseram realmente cobrar de forma dura Moscou. Agora a coisa é diferente.
Primeiro veio um comunicado do governo alemão, claro e inequívoco, segundo o qual o envenenamento fora comprovado "sem dúvidas". Então, diante da imprensa, os ministros do Exterior, Heiko Maas, e da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, convidaram o embaixador russo para "uma conversa urgente".
Não foi mencionada a palavra "convocado"– a forma mais ríspida de reprovação diplomática é assim evitada. Mas isso não passa de uma nuance. Por fim, a própria Merkel apareceu diante da imprensa para manifestar sua insatisfação com a Rússia, referindo-se a uma "tentativa de assassinato por envenenamento".
O governo alemão dificilmente poderia deixar mais claro, que para Berlim, depois de todos os acontecimentos passados – na Crimeia, a perseguição de oposicionistas na Alemanha, a campanha de desinformação de Moscou –, o caso Navalny foi a gota d’água. Isso vai de encontro ao comunicado dos médicos berlinenses sobre o grave estado de saúde do opositor, que ainda precisa de ventilação mecânica e necessitará de um longo tratamento. Internamente, o governo saberá de mais detalhes, detalhes horríveis. É difícil imaginar algo mais terrível que um envenenamento com um agente dos nervos.
Se tudo isso não for apenas uma forma exacerbada de indignação, o governo precisa agora se impor dentro da União Europeia (UE) por medidas claras contra a Rússia. Moscou deve dar nome aos bois e participar ativamente da investigação sobre o atentado contra Navalny. Se esse não for o caso, algo tem que acontecer agora, a ideia de mais sanções se impõe.
O governo alemão corre um risco com isso. Não se sabe o que o presidente Putin fará se estiver sob pressão: em Belarus, na Síria, em toda parte onde se manifestam cada vez mais as pretensões de poder de Moscou. Mas se a Alemanha, se a Europa, ainda se importa com os tão invocados valores liberal-democráticos, essa reação dura é necessária agora. Os próximos dias e semanas mostrarão que consequências terá.
Jens Thraus é correspondente da Deutsche Welle em Berlim. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.
Uma história de envenenamentos políticos
Há mais de um século, agências de inteligência usam o envenenamento para silenciar opositores. Vítima mais recente deste método teria sido Alexei Navalny. Substâncias utilizadas vão desde toxinas a agentes nervosos.
Foto: Imago Images/Itar-Tass/S. Fadeichev
Alexei Navalny
Em agosto de 2020, o líder da oposição russa Alexei Navalny foi levado às pressas para um hospital na Sibéria após passar mal num voo para Moscou. Seus assessores dizem que ele foi envenenado como vingança por suas campanhas anticorrupção. O ativista foi transferido em coma para a Alemanha dias depois, onde exames confirmaram o envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novichok.
Foto: Getty Images/AFP/K. Kudrayavtsev
Pyotr Verzilov
Em 2018, o ativista russo-canadense Pyotr Verzilov ficou em estado grave após ter sido supostamente envenenado em Moscou. Tudo aconteceu logo após ele ter dado uma entrevista na TV criticando o sistema jurídico russo. Verzilov, porta-voz não oficial da banda Pussy Riot, foi transferido para um hospital em Berlim, onde os médicos disseram ser "muito provável" que ele tenha sido envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass/A. Novoderezhkin
Sergei Skripal
Também em 2018, Sergei Skripal, um ex-espião russo de 66 anos, foi encontrado inconsciente num banco do lado de fora de um shopping na cidade britânica de Salisbury após ser exposto ao agente nervoso Novichok. Na época, o porta-voz de Moscou, Dmitry Peskov, chamou a situação de "trágica" e disse que não tinha "informações sobre qual poderia ser a causa" do incidente. Skripal sobreviveu ao ataque.
Foto: picture-alliance/dpa/Tass
Kim Jong Nam
O meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong Un, foi morto em 13 de fevereiro de 2018 no aeroporto de Kuala Lumpur, depois que duas mulheres supostamente espalharam o agente químico nervoso VX em seu rosto. Num tribunal da Malásia, foi revelado que Kim Jong Nam carregava uma dúzia de frascos de antídoto para o agente nervoso mortal VX em sua mochila no momento do ataque.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Kambayashi
Alexander Litvinenko
O ex-espião russo Litvinenko trabalhou no Serviço de Segurança Federal (FSB), em Moscou, antes de desertar para o Reino Unido, onde escreveu dois livros cheios de acusações contra o FSB e Vladimir Putin. Ele adoeceu após se encontrar com dois ex-oficiais da KGB e morreu em novembro de 2006. Um inquérito descobriu que ele foi envenenado com polônio-210, que teriam colocaram em seu chá.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kaptilkin
Viktor Kalashnikov
Em novembro de 2010, médicos do hospital Charité detectaram altos níveis de mercúrio num casal de dissidentes russos que trabalhava na capital alemã. Kalashnikov, um jornalista freelancer e ex-coronel da KGB, tinha 3,7 microgramas de mercúrio por litro de sangue, enquanto sua esposa tinha 56 microgramas. Um nível seguro é de 1-3 microgramas. Kalashnikov acusou Moscou de tê-los envenenado.
Foto: picture-alliance/dpa/RIA Novosti
Viktor Yushchenko
O líder da oposição ucraniana Yushchenko adoeceu em setembro de 2004 e foi diagnosticado com pancreatite aguda causada por uma infecção viral e substâncias químicas. A doença resultou em desfiguração facial, com marcas parecidas com a de varíola, inchaço e icterícia. Os médicos disseram que as mudanças em seu rosto foram causadas pela cloracne, que é resultado do envenenamento por dioxina.
Foto: Getty Images/AFP/M. Leodolter
Khaled Meshaal
Em 25 de setembro de 1997, a agência de inteligência de Israel tentou assassinar Khaled Meshaal, líder do Hamas, sob ordens do premiê Benjamin Netanyahu. Dois agentes espalharam uma substância venenosa no ouvido de Meshaal quando ele entrou nos escritórios do Hamas em Amã, na Jordânia. A tentativa de assassinato fracassou e, não muito depois, os dois agentes israelenses foram capturados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Sazonov
Georgi Markov
Em 1978, o dissidente búlgaro Markov aguardava num ponto de ônibus após um turno na BBC quando sentiu uma pontada forte na coxa. Ele se virou e viu um homem segurando um guarda-chuva. Uma pequena saliência apareceu onde ele sentiu a pontada e quatro dias depois ele morreu. Uma autópsia descobriu que ele havia sido morto por um pequeno projétil contendo uma dose de 0,2 miligrama de ricina.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/Stringer
Grigori Rasputin
Em dezembro de 1916, o curandeiro místico e espiritual Rasputin chegou ao Palácio Moika, em São Petersburgo, a convite do Príncipe Félix Yussupov. Lá, o princípe ofereceu a Rasputin bolos contaminados com cianeto de potássio, mas nada aconteceu. Yussupov então deu a ele vinho em taças com cianeto, mas Rasputin seguiu bebendo. Diante da ineficácia do veneno, Rasputin foi morto a balas.