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Opinião: Ameaça de Erdogan à UE é absurda

1 de agosto de 2016

Se até outubro os turcos não forem isentos de visto para a UE, seu governo para de receber refugiados de volta. Com essa exigência, presidente coloca a si mesmo sob pressão, opina o correspondente Bernd Riegert.

Bernd Riegert é correspondente da DW em Bruxelas

Chantagem não pode ser um recurso na política entre parceiros. E assim é como a União Europeia e a Turquia ainda se veem em relação à questão dos refugiados, apesar dos graves abalos internos turcos.

Por isso é consequente a Comissão Europeia rechaçar as tentativas de Ancara de forçar a isenção de visto para seus cidadãos na UE, em troca de receber de volta certos refugiados e migrantes. No pacto firmado na cúpula de março, a UE voltou a reconhecer como meta a isenção de visto, contanto que a Turquia preencha as condições correspondentes. Uma data concreta não foi mencionada.

A ideia de Ancara, de dar agora um ultimato, estipulando outubro como data para o início do ingresso livre na UE, é um disparate. Com isso, o governo turco está, no máximo, colocando a si mesmo sob pressão. Ele teria então até outubro para cumprir as últimas sete de 72 condições, sem as quais não haverá ingresso sem visto na UE para os cidadãos turcos. Ao declarar que não cumprirá pelo menos um desses requisitos – o relaxamento das leis antiterror –, a Turquia tornou o prazo até outubro inalcançável para si própria.

Portanto as ameaças do governo são, antes, um teatro do absurdo, visando fazer efeito na política interna, mas que não resolvem o problema. Aliás, não é totalmente nova a ameaça de detonar o pacto dos refugiados. Já em maio, representantes turcos haviam ventilado a possibilidade, na tentativa de impor uma liberação em 1º de julho.

O governo da Turquia precisa entender que a isenção de visto não é apenas um procedimento técnico, mas uma decisão política, que ocorre num contexto político. Com um país em estado de exceção, cujo presidente evitou uma tentativa de golpe de Estado e que agora intervém com dureza desproporcional, segundo os critérios da UE, dificilmente se dará um passo desses.

No momento, a liberação de visto é, antes de tudo, um troféu político que o presidente Recep Tayyip Erdogan deseja arrancar à União Europeia. Essencial, a circulação mais livre para os turcos não é. Admita-se: solicitar visto é laborioso e caro, mas 90% dos requerimentos são deferidos sem problemas. Quem quer ou precisa, pode viajar.

Com o pacto dos refugiados, é óbvio que a UE, liderada pela chefe de governo alemã, Angela Merkel, se submeteu a uma certa dependência em relação à Turquia. A fronteira fechada entre a Grécia a Macedônia, e a perspectiva de serem devolvidos das ilhas gregas para a Turquia, desencorajaram os refugiados e migrantes a tal ponto, que eles não ousam mais a travessia do Mar Egeu.

Na prática, foram reenviados para a Turquia apenas algumas centenas de migrantes, entre os quais pouquíssimos sírios, devido ao fato de os processos de asilo na Grécia demorarem bem mais do que previsto no pacto euro-turco de março.

Desta maneira, o serviço prestado pela Turquia não é receber, em massa, migrantes e solicitantes de asilo rejeitados, mas sim, acima de tudo, a acomodação em seu território dos refugiados e migrantes. Para tal, as organizações humanitárias já receberam as primeiras verbas da UE, ainda que Erdogan o negue.

A Turquia pode rescindir de um dia para o outro o pacto dos refugiados – o qual é só uma declaração política, não um acordo de direito internacional. A UE, aliás, também. Mas aí, o que aconteceria? Voltaria a aumentar subitamente o número dos refugiados chegados pelo Egeu? Ninguém sabe predizer com exatidão. Alguns especialistas na UE apostam que o efeito dissuasivo permaneceria, enquanto a rota dos Bálcãs estiver fechada – ou seja: enquanto for impossível a travessia de inverno desde as ilhas gregas até o Norte da Europa.

A situação é particularmente perigosa para a Grécia, onde o congestionamento humano pode se agravar seriamente. E até o momento os demais Estados da UE não fazem grandes esforços para aliviar a carga grega. Trata-se, também, de premeditação cínica, pois quanto piores forem as condições na Grécia, maior será o desencorajamento de novos migrantes.

Caso passem efetivamente a chegar na Grécia mais refugiados vindos da Turquia, aí a UE terá que voltar a abordar o incômodo tema da redistribuição dos refugiados, pelo menos pro forma – coisa de que tem conseguido se esquivar desde abril, graças ao pacto com Ancara.

A situação poderá se agravar drasticamente se o presidente turco aplicar o que já ameaçava em 2015: ele pode, a qualquer momento, colocar os refugiados em ônibus e mandá-los através das fronteiras com a Grécia ou a Bulgária.

Soa improvável? Considerando-se a atual conjuntura política na Turquia, a rigor não se pode descartar mais nada.

Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.
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