No Natal passado, o mundo ainda parecia estar em ordem: se o seu sotaque revelasse sua origem germânica, as pessoas se mostravam cheias de apreço e respeito pela chefe de governo da Alemanha. Nas primeiras páginas dos periódicos americanos, a chanceler Angela Merkel era celebrada como a voz da razão, provedora de prosperidade econômica, em última análise não apenas como mãe da nação alemã, mas também como garantia da estabilidade e segurança de todo um continente.
Os selfies da chanceler federal com refugiados se transformaram, nos Estados Unidos, em símbolo da nova, acolhedora Alemanha, acompanhados pelo carinhoso aplauso de boas-vindas dos cidadãos na estação central de Munique.
Mas aí veio o réveillon e as agressões sexuais em Colônia. A festejada cultura das boas-vindas se transformou na ameaçadora crise dos refugiados. Com o acúmulo de problemas políticos nacionais e europeus, começou o ocaso da heroína Merkel. Pela perspectiva de muitos americanos, o confiante "nós vamos conseguir" virou um "nós temos medo".
Além disso, com o ano de 2016 começou também a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos. E com a inquietante ascensão do magnata Donald Trump, a permissão de dar livre vazão aos preconceitos e ao racismo.
Finalmente aparecia um político capaz de dar explicações compreensíveis, alguém que sabia por que o perfeito mundo americano descambara em tamanha desordem e que não dava a mínima para o politicamente correto, chamando os culpados pelo nome e oferecendo soluções condizentemente simples.
Assim, os mexicanos e os chineses são os maiores culpados pelas dificuldades econômicas; já aos muçulmanos cabe a culpa coletiva pelas guerras e o terrorismo no mundo. E como Trump é mestre em captar o clima emocional do momento e explorá-lo politicamente, foi apenas uma questão de tempo para ele passar a se aproveitar da mudança de clima na Alemanha e na Europa.
Em grosseiros ataques no Twitter, ele responsabilizou a chanceler alemã e sua política para refugiados pelos atentados terroristas em Paris. Cada atentado, cada assassinato com participação de um muçulmano na Alemanha virava um argumento indiscutível a favor da política de isolamento e exclusão do candidato republicano.
Agora as coisas não estão indo bem para Trump. Desde as convenções partidárias, ele não consegue mais fincar pé. Enquanto a situação de Hillary Clinton nas pesquisas de opinião melhora continuamente, ele vai perdendo o apoio de membros importantes do próprio Partido Republicano, e as brigas entre sua equipe eleitoral são violentas.
Desde o início, a estratégia eleitoral de Trump se baseou na insegurança em vez de propostas políticas. Seu cálculo é tão óbvio quanto bem-sucedido: quanto maior o medo entre a população, maior o desejo de um homem forte, que resolva os problemas com pulso firme.
O dilema em que Merkel se encontra vem a calhar. Mais uma vez, Trump joga com uma simplicidade magistral seu único trunfo, a carta do medo, ao declarar a concorrente Hillary como a Merkel dos Estados Unidos.
Nesse ínterim, a chefe de governo da Alemanha se tornou para muitos americanos um símbolo das esperanças frustradas. Uma mulher que, acreditava-se, poderia ter tido êxito, mas que fracassa devido à própria incapacidade de traçar limites claros.
Uma mulher em que muitos confiaram, durante muito tempo, mas que no fim não mostrou a firmeza necessária para defender o próprio país dos "outros". Uma mulher que, no fim das contas, trouxe o terrorismo para dentro do próprio país. E, mesmo 15 anos após o 11 de Setembro, o medo de um atentado terrorista continua sendo a mais potente arma política de Trump.
A comparação entre Clinton e Merkel é tão mais astuta por que, à primeira vista, a equiparação entre as duas mulheres funciona. E por que, a essa primeira vista, fica igualmente claro que Trump é diferente delas. Na interpretação dele, exatamente aquele homem forte, apto a proteger os Estados Unidos dos erros de uma mulher.