Os cubanos temem poucas coisas tanto quanto o retorno dos dias negros da crise da década de 1990, que o governo batizou com o eufemismo "Período Especial", escreve Yoani Sánchez.
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Como um trauma nacional, os longos cortes elétricos, o transporte público em colapso e as prateleiras vazias dos supermercados ficaram gravados na memória de várias gerações. Nos dias atuais, as imagens de obscuridade e caos emitidas pela Venezuela avivam novamente esse fantasma em Cuba.
No país com as maiores reservas de petróleo do mundo, a população caminha no escuro, cozinha apressada a comida para evitar que estrague por falta de refrigeração, e 21 pacientes morreram em hospitais por falta de eletricidade, segundo a ONG Médicos pela Saúde. A insegurança nas ruas se agrava com a falta de energia, e a falta de cobertura de celular mantém incomunicáveis centenas de milhares de famílias. A situação não poderia ser mais simbólica, como se uma longa noite tivesse acabado por pairar sobre o país.
O Palácio de Miraflores culpa pelo fracasso um ataque descomunal pelos seus inimigos internos com "o apoio e a assistência dos Estados Unidos" e afirma ter provas que apresentará às Nações Unidas. Mas a verdade é que, durante a última década, os apagões se tornaram um cenário comum na Venezuela e que vozes alertando para a deterioração da rede elétrica têm se acumulado. Os primeiros testemunhos e relatos que estão sendo divulgados indicam que o que começou na quinta-feira passada (07/03) tem mais semelhança com um desastre anunciado do que com um golpe desestabilizador.
Como um gigante ferido no calcanhar, o país sul-americano vive momentos que poucos poderiam ter imaginado há duas décadas, quando milhões de venezuelanos levaram Hugo Chávez à presidência da República e iniciaram um processo de renovação que levou ao atual regime de Nicolás Maduro, este criticado por organizações internacionais, repudiado por grande parte da população e considerado por outros como um "traidor" do chavismo.
Nestes dias difíceis, em vez de implementar um mecanismo de emergência eficaz e de fornecer informações transparentes sobre a situação do sistema elétrico, Maduro preferiu assumir papel de vítima, aproveitar a ocasião para exclamar slogans políticos e refugiar-se no secretismo. Por sua vez, a Assembleia Nacional, com Juan Guaidó à frente, decidiu cortar todo o abastecimento de petróleo a Cuba e convocar manifestações contra quem chamam de "o usurpador".
A tensão cresce na Praça da Revolução de Havana à medida que se aprofunda a crise econômica interna e aumenta a ameaça de perder as remessas de petróleo que, apesar de terem diminuído nos últimos anos, continuam chegando à ilha vindas da Venezuela. Mas o que o governo cubano mais teme é a reação do povo, como se comportarão os cidadãos se o chamado "Período Especial" voltar, não como um fantasma, mas como uma realidade.
A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa La voz de tus derechos no canal de TV da DW em espanhol.
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Maduro reprime tentativa da oposição de entrar no país com ajuda humanitária a partir da Colômbia e do Brasil. Confrontos entre manifestantes e militares deixam mortos e centenas de feridos em cidades fronteiriças.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/H. Matheus
Comboios de ajuda humanitária
A oposição liderada por Juan Guaidó com apoio dos governos brasileiro, colombiano e de outros países da região buscou reforçar a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro com o envio de ajuda humanitária para a Venezuela a partir do Brasil e da Colômbia, mas a tentativa foi duramente reprimida pelo governo venezuelano ao longo do sábado (23/02).
Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida
Fronteiras reforçadas
Maduro mandou fechar as fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia para impedir a entrada de ajuda humanitária, reforçando os bloqueios com militares das Forças Armadas venezuelanas instalados nas divisas. O líder chavista alega que o ingresso de ajuda não passa de um pretexto para os Estados Unidos promoverem um golpe de Estado no país.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Llano
Confrontos na fronteira brasileira
Na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, conflitos irromperam quando dois veículos carregados de ajuda humanitária foram impedidos de prosseguir. Militares do regime chegaram a lançar gás lacrimogêneo contra manifestantes opositores que estavam do lado brasileiro, enquanto estes atiraram coquetéis molotov contra soldados venezuelanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/I. Valencia
Mortos e feridos
Choques na cidade fronteiriça de Santa Elena de Uairén, na divisa com Roraima, teriam deixado ainda ao menos quatro mortos, segundo informações de uma ONG e de um deputado venezuelano da oposição. Além disso, vários feridos foram levados para hospitais no Brasil, muitos com ferimentos a bala. Na véspera, outras duas pessoas já haviam sido mortas por forças do regime na região.
Foto: Reuters/R. Moraes
Choques na fronteira colombiana
Confrontos violentos também foram registrados na fronteira da Venezuela com a Colômbia. Na cidade venezuelana de Ureña, onde fica uma das pontes que conectam os dois países, tropas chavistas dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha contra manifestantes.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Llano
Veículos incendiados
Caminhões carregando ajuda humanitária também foram impedidos de entrar na Venezuela a partir da fronteira com a Colômbia. Na ponte Francisco de Paula Santander, que liga a cidade de Cúcuta a Ureña, pelo menos dois veículos foram incendiados. Manifestantes conseguiram salvar parte da carga. A oposição culpou membros de grupos paramilitares chavistas pelos incêndios.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Abd
Centenas de feridos
Na ponte Simón Bolívar, mais ao sul, também houve uma série de confrontos, com manifestantes atirando pedras e coquetéis molotov nos militares venezuelanos a partir do lado colombiano. Os choque ao longo de toda a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela deixaram ao menos 285 feridos, sendo 255 cidadãos venezuelanos e 30 colombianos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Llano
Maduro em Caracas
Enquanto os confrontos eclodiam nas fronteiras, Maduro resolveu encenar uma demonstração de força na capital, Caracas. Em um discurso de mais de uma hora diante de uma multidão de apoiadores, ele lançou acusações contra os Estados Unidos, prometeu defender a Venezuela de intervenções estrangeiras e anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia.
Foto: Reuters/M. Quintero
Guaidó em Cúcuta
Por sua vez, o líder oposicionista Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela e foi reconhecido por 50 países, defendeu a entrada de ajuda humanitária em seu país e ajudou a organizar uma procissão de caminhões carregando mantimentos a partir da Colômbia. Após o fracasso das tentativas de furar os bloqueios militares, ele acusou Maduro de crime de lesa humanidade.
Foto: Reuters/M. Bello
Deserção de militares
O dia de tensões também foi marcado pela deserção de dezenas de militares venezuelanos. Segundo Bogotá, mais de 60 membros das Forças Armadas da Venezuela fugiram do país e buscaram refúgio na Colômbia ao longo do sábado. Entre eles há oficiais do Exército, da Marinha, da Guarda Nacional, da Polícia Nacional Bolivariana e das Forças Especiais.