É a questão crucial do nosso tempo. Só que, em vez de religião, trata-se de futebol. "Diga-me, qual sua opinião sobre a Copa do Mundo no Catar?" Assistir ou ignorar? Resignar ou protestar? A diversidade de opiniões divide famílias, amizades e mesmo colegas de trabalho.
Apesar de toda a controvérsia política em torno do torneio, ainda é legítimo assistir às partidas e até mesmo torcer? Ou isso é moralmente questionável?
Fortes críticas nos estádios da Bundesliga
Nos estádios alemães, a opinião parece ser unânime: rejeitamos a Copa do Mundo do Catar, anunciaram muitos torcedores em todo o país nas últimas semanas em faixas e cartazes. As mortes entre os trabalhadores estrangeiros e a legislação homofóbica no Catar são criticadas publicamente. Com razão.
Mas para muitos críticos o Catar simboliza muito mais: o caminho perigoso que o futebol moderno tomou. Xeiques e "sportwashing" [prática de usar esportes para melhorar reputações desgastadas], investidores desonestos, corrupção e o aniquilamento da alma do jogo − o Catar é um símbolo de tudo isso. Tudo isso pode ser rejeitado, posso entender.
Mas, simplesmente ignorar o futebol, como se o maior evento esportivo do mundo não estivesse acontecendo? Antes da Copa do Mundo de 2018, na Rússia, também houve barulho na mídia, mas não houve pedidos de boicote. A força aérea russa lançou bombas sobre a Síria e os trabalhadores convidados norte-coreanos foram sistematicamente explorados na construção de estádios. "Os escravos de São Petersburgo", dizia uma manchete.
Um limite já não havia sido ultrapassado nessa época? Um boicote à TV pode realmente surtir efeito? Cada bar, cada torcedor pode decidir por si mesmo, e baixos índices de audiência também atingem a Fifa. Mas se na Alemanha e eventualmente no norte da Europa os índices forem baixos, outras regiões compensarão isso. A Fifa está há muito tempo no processo de abertura de novos mercados − e isso só pode ser criticado de forma limitada.
O mundo árabe merece uma Copa do Mundo − mas onde?
Um Mundial de futebol já deveria ter acontecido há muito tempo no mundo árabe. A Fifa levou mais de 90 anos para isso. A crítica à "Copa do Mundo de inverno" e à falta de tradição futebolística no Catar é eurocêntrica, alguns dizem tratar-se de arrogância ocidental. A região merece uma Copa do Mundo.
Mas tinha de ser justamente no Catar? Eu também não estou feliz com isso. Mas vou ligar a TV e assistir à Copa do Mundo. E eu já sei: vai doer. A alegria antecipada tende para zero. Os relatos iniciais de supostos "torcedores falsos" comprados para fazer a festa em Doha me deixam sem palavras. Assim como a perspectiva de ter que suportar mais mensagens de paz do presidente da Fifa, Gianni Infantino, nas próximas semanas.
Eu me apego às memórias da infância. Em 1994, quando menino, sentei-me numa sala escura em frente à televisão de tubo incandescente. Foi quando os nigerianos jogaram magnificamente e o brasileiro Bebeto comemorou seus gols com um gesto de embalar bebê.
São estas as imagens que ficaram. Cada torcedor tem sua própria história; é através de tais experiências que nasce o fascínio pela Copa do Mundo. E, no final, nós nos ligamos a TV por amor ao jogo. Ou pelo menos por razões profissionais.
Assistir, mas questionar
Desta vez será um ato especial de equilíbrio: até onde chegará o campeão africano Senegal, Messi vai aproveitar sua última chance? Como estão Hansi Flick e a seleção alemã? Vale a pena contar todas essas histórias esportivas, mas na verdade estou muito mais interessado no que acontece fora dos gramados.
Onde vai desmoronar a encenação da Fifa, que já chamou o torneio de "melhor Copa de todos os tempos"? A pressão internacional vai levar a um fundo de compensação para os trabalhadores estrangeiros? Como os catarianos tratarão a liberdade de imprensa? (Os primeiros sinais não são exatamente promissores).
Como os torcedores sul-americanos e asiáticos veem esta Copa do Mundo e a questão dos direitos humanos, tão presente no Ocidente [europeu]? A equipe da Federação Alemã de Futebol ainda inventará uma ação para "representar nossos valores", como proclamou Manuel Neuer? Será que o emirado realmente vai aproveitar esta "oportunidade", como calculou Bastian Schweinsteiger na entrevista à DW? E como reagem às críticas todas as figuras de relações públicas generosamente pagas, como o embaixador do Catar David Beckham?
Eu quero saber, questionar e discutir tudo isso. Na mesa do jantar, na cantina ou no bar. Todas essas coisas merecem nossa atenção. E é por isso que olhar para o lado para mim não é opção.
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Pascal Jochem é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.