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Opinião: Bajulação do Irã já está passando dos limites

28 de janeiro de 2016

Cobrir a nudez de estátuas famosas ou ignorar a falta de avanços democráticos no país em nome de negócios lucrativos é agir contra valores muito maiores, opina Alexander Freund, chefe do Departamento Ásia da DW.

Alexander Freund é chefe do Departamento Ásia da DW

Enquanto uns esfregam as mãos de satisfação, outros esfregam os olhos de incredulidade: mal foram suspensas as sanções ao Irã e já começa a corrida pelos negócios mais lucrativos. Todos querem garantir uma fatia do bolo para si.

Não é de se admirar: após décadas de isolamento, a demanda acumulada é tremenda no Irã. E o país não oferece apenas incalculáveis possibilidades de faturamento: ele é também rico – pelo menos possui enormes reservas de petróleo, e determinados grupos sociais têm dinheiro para gastar.

Assim, representantes de empresas, ministros e chefes de Estado de todos os países do mundo peregrinam até Teerã e evocam os benefícios mútuos e os tradicionais laços estreitos. Em contrapartida, o presidente iraniano, Hassan Rohani, viaja pelo mundo e é adulado.

Aquele que, até pouco tempo atrás, era um pária da comunidade mundial é agora um interessante parceiro comercial. Onde quer que Rohani esteja de visita, desenrola-se para ele o tapete vermelho. Até o papa o recebeu, embora o assunto não fossem negócios.

O convidado iraniano não viu nada de negativo em Roma, nenhum manifestante que pudesse colocar em risco as lucrativas transações. Na Cidade Eterna, a hospitalidade chegou ao ponto de se cobrirem obras de arte de gabarito mundial a fim de poupar ao devoto homem de Teerã a visão de estátuas nuas de mármore. É de se perguntar: isso é sério?

Essa hospitalidade equivocada e desnecessária só serve para provocar protestos partindo dos meios errados. É claro que o anfitrião prefere mostrar o seu lado mais bonito a um hóspede importante e cuida para que a estada seja agradável. Isso inclui não impingir, a um muçulmano estrito, carne de porco ou o melhor vinho tinto que seja. Da mesma forma, aliás, que não se oferece carne bovina a um hindu ou qualquer tipo de carne a um vegetariano.

Mas hospitalidade deve ter um limite, e ele é ultrapassado no momento em que o anfitrião se curva apenas em nome do vil metal. Se o anfitrião quer beber o seu vinho, que para ele é importante e não lhe é proibido, um bom hóspede aceita. Uma nação cultural como a Itália não deve, definitivamente, cobrir nenhuma estátua só porque a nudez poderia ferir os sentimentos religiosos do visitante. Em último caso, ele que olhe para o outro lado ou fique longe.

Mas a questão real aqui não é vinho, nem estátuas nuas, nem a relação entre anfitrião e hóspede – tão importante também no mundo islâmico. Trata-se do preço de uma cooperação econômica, de acordos de peso, mas também da própria autoimagem, especialmente em democracias seculares que travaram longas batalhas por seus valores e pela separação entre Estado e religião.

É claro que também se pode negociar com nações antidemocráticas, como China, Rússia, Arábia Saudita ou Irã. Mas não às custas da própria identidade, dos próprios valores. Quem deseja uma parceria precisa levar em consideração regras e costumes: esse é um preço que ambos os parceiros têm que estar dispostos a pagar.

Mas também faz parte de uma parceria poder abordar temas controversos, paralelamente aos negócios. Aqui fica claro que até agora o Irã não é um parceiro, mas apenas um mercado. O país não se abriu, ele só está novamente aberto a negócios lucrativos.

O Irã não suspendeu seu programa nuclear por ter se conscientizado, mas porque a pressão internacional se tornou grande demais, e as sanções forçaram o país a capitular. Não obstante, o poder dos mulás nessa autodenominada teocracia segue inabalada.

Comparado ao líder religioso iraniano, Ali Khamenei, o presidente Rohani pode ser o menor dos males, mas a atual bajulação do Irã já está passando dos limites. Pois, apesar de todas as possibilidades de lucro, é preciso não esquecer que, nos últimos anos, nada melhorou no país. Pelo contrário: as represálias a toda forma de oposição são cada vez mais violentas. E o Irã promove brutais guerras por procuração com a Arábia Saudita pela posição dominante no Oriente Médio.

Por mais atraentes que sejam as lucrativas transações, nossos valores como liberdade e Estado de Direito são indiscutivelmente mais importantes. Quem deve lucrar não são apenas o regime dos mulás e os Estados e empresas mais espertos: também a comunidade internacional e o povo iraniano devem participar do lucro. Pois os iranianos não querem apenas ter um melhor acesso a produtos, mas sobretudo mudanças e a abertura do país.

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