A união ideológica exibida por Trump e Bolsonaro não dissimula que os interesses em comum dos dois países são poucos. Para o mundo, essa é uma boa notícia, opina Astrid Prange de Oliveira.
Anúncio
Será este o início de uma grande amizade masculina entre o presidente americano Donald Trump e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro? É possível que Trump esteja descobrindo seu amor pelo maior país da América do Sul?
Já faz tempo que o presidente brasileiro flerta com o dealmaker na Casa Branca. Mas Bolsonaro não é um latin lover – ele seduz com notícias falsas, não com charme. Depois do encontro com Trump, ficou claro que não houve faíscas reais durante a visita.
Ainda assim, Bolsonaro assinou um acordo para a operação conjunta da base de Alcântara, de lançamento de foguetes e satélites, com os Estados Unidos. O contrato, que prevê lucros de milhões de dólares para o Brasil, ainda precisa ser ratificado pelo Congresso brasileiro. Além disso, Bolsonaro conseguiu fazer com que Trump se pronunciasse publicamente pela inclusão do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Esse balanço não impressiona. Sinceramente: por que Trump deveria se entusiasmar com o admirador brasileiro? Porque ele reproduz as frases vazias do americano, como um papagaio? Porque, como Trump, ele condena as mudanças climáticas e a globalização? Porque ele calunia e tuita também?
Bolsonaro parece ter percebido que suas tentativas de flerte na Casa Branca não causaram mais do que tapas amigáveis nas costas e palavras de estímulo. Por isso, ele aproveitou a oportunidade para um curto encontro com Steve Bannon, o estrategista-chefe afastado do governo Trump.
A gafe diplomática vai ricochetear no casca-grossa político Trump. Faz tempo que o presidente dos EUA se apaixonou por outro sul-americano: há meses, ele se derrete pelo autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó.
Bolsonaro fez de tudo para conquistar a afeição de Trump. Desde sua posse em janeiro deste ano, ele anunciou que vai transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Também tinha a intenção de deixar o Pacto Global de Migração das Nações Unidas e o Acordo de Paris pelo clima. E, durante sua visita aos EUA, Bolsonaro anunciou o fim da exigência de vistos para entrada de cidadãos americanos no Brasil.
Com exceção da última medida, os anúncios se revelaram promessas vazias. Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo precisaram tomar conhecimento de que uma embaixada brasileira em Jerusalém poderá significar o fim do lucrativo comércio de carne "halal" com o mundo árabe. E que uma saída do Acordo do Clima de Paris poderia levar ao abandono das negociações de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o mercado comum sul-americano Mercosul.
Olhando mais de perto, é uma demonstração de força verbal que se esconde por trás da aparente afinidade entre Washington e Brasília. A união ideológica exibida por Trump e Bolsonaro não dissimula que os interesses em comum dos dois países são poucos.
Primeiro exemplo: Venezuela. Ainda que Trump e Bolsonaro celebrem seu ódio comum ao "socialismo do século 21" e que queiram se livrar do governante Nicolás Maduro, não conseguem encontrar uma estratégia de ação comum. Para Bolsonaro, o apoio a uma eventual intervenção militar na Venezuela é tabu – são especialmente os numerosos militares no seu governo que nunca permitiriam uma aventura do gênero.
Segundo exemplo: a China. Por que o Brasil deveria atuar na campanha anti-China dos americanos se isso pode prejudicar as relações com seu maior parceiro comercial? Afinal, o Brasil exporta mais do que o dobro de produtos para o chamado Império do Meio do que para os EUA.
Terceiro exemplo: livre-comércio. Os Estados Unidos fecharam acordos de livre-comércio com onze países latino-americanos. O Brasil não faz parte deles. O motivo: as gamas de produtos dos dois países não se complementam. Pelo contrário: no mercado mundial, são concorrentes na produção de carne, soja, milho e automóveis.
"America First" e "Brasil acima de tudo" – os antiglobalistas Trump e Bolsonaro apostam em atuações unilaterais em vez de na cooperação internacional. Sua cegueira ideológica leva para um beco sem saída na política externa. Para a comunidade internacional, esta é uma boa notícia, já que a realidade complexa freia os dois populistas de direita.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance