Os preconceitos que alimentaram por décadas a homofobia na ilha seguem vivos e podem atrasar a aprovação das uniões entre pessoas do mesmo sexo, opina o dramaturgo Abel González.
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Nos últimos dias, o Parlamento cubano debateu mudanças na Constituição. A imprensa internacional e as organizações que defendem direitos LGBT+ repercutiram a modificação que lida com o reconhecimento do casamento igualitário. Com efeito, o casamento já não se limita à união "entre um homem e uma mulher", mas "entre duas pessoas". Ao não definir o gênero das partes, o novo texto abre o conceito de casamento para a união entre dois homens ou duas mulheres.
No entanto, a partir do mesmo debate, ficou claro que a nova Constituição está apenas abrindo a porta para uma legislação posterior que ainda deve implementar legalmente a possibilidade deste tipo de união. Foi também perceptível a preocupação por parte de alguns deputados sobre questões derivadas da legalização do casamento gay como base para a formação de uma família, seja através da adoção de crianças ou por meio de reprodução assistida.
O fato de que os mesmos deputados que aprovaram o documento se coloquem de antemão contra os direitos dos cônjuges de fundar uma família e criar seus próprios filhos é uma indicação de preconceitos disfarçados. São os mesmos preconceitos que alimentaram a homofobia e a discriminação por causa da preferência sexual, os mesmos que levaram à perseguição e à segregação de homossexuais e seu internamento em campos de trabalho e nas infames unidades militares de apoio à produção (conhecidas pela sigla Umap).
Para que um casamento igualitário seja possível em Cuba, a Carta Magna deve ser ainda ser submetida a um referendo antes de sua aprovação final. Posteriormente, toda a regulamentação jurídica deve ser estabelecida para garantir essa possibilidade real. Mas em meio ao júbilo, é necessário ter em mente a persistência dos preconceitos – que já ficaram mais visíveis desde as recentes sessões do Parlamento – porque tal resistência pode atrasar ou limitar significativamente o status efetivamente igualitário dessas uniões.
Mariela Castro (filha de Raúl Castro que atua como ativista LGBT) disse que a concessão de direitos a pessoas que nunca puderam contar com eles não implica na remoção desses mesmos direitos para as pessoas que já contavam com eles. Só que todos os preconceitos historicamente herdados e que foram alimentados institucionalmente até muito recentemente podem despertar ressentimento naqueles que se sentiam "protegidos" pelo não reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
O casamento também gera implicações em relação à posse de bens móveis e imóveis e tudo relacionado à herança. E essas mesmas implicações deveriam afetar o casamento gay. Até hoje, em Cuba, a união entre duas pessoas do mesmo sexo não implica em qualquer direito. É comum no caso da morte de um membro do casal – a menos que vontade seja oficializada em cartório – que todos os bens do morto sejam repassados não para o parceiro, mas para parentes distantes, que muitas vezes tinham brigado com o falecido precisamente por causa da sua orientação sexual e que consideram o viúvo ou viúva um intruso que deve desaparecer. Este é apenas um dos possíveis problemas ligados a essa questão tão controversa.
Outras questões ainda precisam ser respondidas: como vai ser o reconhecimento das uniões daqueles que se casaram com pessoas do mesmo sexo fora de Cuba, em países onde essas uniões já são legais há muitos anos? Como isso vai ser tratado no caso de um casamento entre dois cubanos? Ou entre um cubano e um estrangeiro? Quais vão ser as consequências dessas uniões do ponto de vista migratório, do direito trabalhista, do código familiar? Até que ponto vai o caráter igualitário de tais uniões? De ter e criar seus próprios filhos?
Abel González Melo, nasceu em Cuba em 1980. É dramaturgo e diretor de teatro. Suas peças foram publicadas e encenadas na Espanha, Itália, França, Estados Unidos, Argentina, México, Turquia e Cuba.
A Austrália é o país mais recente do mundo a permitir legalmente o casamento de pessoas do mesmo sexo. Conheça alguns países onde a união homoafetiva é garantida por lei.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2001, Holanda
A Holanda foi o primeiro país do mundo a permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo depois que o Parlamento votou a favor da legalização, em 2000. O prefeito de Amsterdã, Job Cohen, casou os primeiros quatro casais do mesmo sexo à meia-noite do dia 1º de abril de 2001 quando a lei entrou em vigor. A nova norma também introduziu a permissão para que casais homoafetivos adotassem crianças.
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2003, Bélgica
A Bélgica seguiu a liderança do país vizinho e, dois anos depois da Holanda, legalizou o casamento de pessoas do mesmo sexo. A lei deu a casais homoafetivos muitos direitos iguais aos dos casais heterossexuais. Mas, ao contrário dos holandeses, os belgas não deixaram que casais gays adotassem. Esse direito foi garantido apenas três anos depois pela aprovação de uma lei no Parlamento.
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2010, Argentina
A Argentina foi o primeiro país da América Latina a legalizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, quando 33 senadores votaram a favor da lei, e 27 contra, em julho de 2010. Assim, a Argentina se tornou o décimo país do mundo a permitir legalmente a união homoafetiva. Em 2010, Portugal e Islândia também aprovaram leis garantindo o direito ao casamento gay.
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2012, Dinamarca
O Parlamento dinamarquês votou a favor da legalização do casamento gay em junho de 2012. O pequeno país escandinavo já havia aparecido nas manchetes da imprensa internacional quando se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer uniões civis para casais gays, em 1989. Casais formados por pessoas do mesmo sexo também já podiam adotar crianças desde 2009.
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2013, Uruguai
O Uruguai aprovou uma lei eliminando a exclusividade de direitos de casamento, adoção e outras prerrogativas legais para casais heterossexuais em abril de 2013, um mês antes de o Brasil regulamentar (mas não legalizar) o casamento gay. Foi o segundo país sul-americano a dar esse passo, depois da Argentina. Na Colômbia e no Brasil, o casamento gay é permitido, mas não foi legalizado pelo Congresso.
Foto: picture-alliance/AP
2013, Nova Zelândia
A Nova Zelândia se tornou o 15º país do mundo e o primeiro da região Ásia-Pacífico a permitir casamentos homoafetivos em 2013. Os primeiros casamentos aconteceram em agosto daquele ano. Lynley Bendall (e.) e Ally Wanik (d.) estavam entre esses casais, com a união civil a bordo de um voo entre Queenstown e Auckland. No mesmo ano, a França também legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/Air New Zealand
2015, Irlanda
A Irlanda chamou atenção internacional em maio de 2015, quando se tornou o primeiro país do mundo a legalizar o casamento gay com um referendo. Milhares de pessoas comemoraram nas ruas de Dublin quando os resultados foram divulgados, mostrando quase dois terços dos eleitores optando a favor da medida.
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2015, Estados Unidos
A Casa Branca foi iluminada com as cores da bandeira do arco-íris em 26 de junho de 2015. A votação no Supremo Tribunal dos EUA decidiu por 5 a 4 que a Constituição americana garante igualdade de casamento, um veredito que abriu caminho para casamentos homoafetivos em todo o país. A decisão chegou 12 anos depois que o tribunal decidiu pela inconstitucionalidade de leis criminalizando o sexo gay.
A Alemanha foi o 15º país europeu a legalizar o casamento gay no dia 30 de junho de 2017. A lei foi aprovada por 393 votos a favor e 226 contra no Bundestag (Parlamento alemão). Houve quatro abstenções. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, votou contra, mas abriu caminho para a aprovação quando, alguns dias antes da decisão, disse que seu partido poderia votar livremente a medida.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2017-2018, Austrália
Após uma pesquisa mostrando que a maioria dos australianos era a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo, o Parlamento do país legalizou a união homoafetiva em dezembro de 2017. Os casais australianos precisam avisar as autoridades um mês antes do casamento. Assim, muitas pessoas se casaram logo depois da meia-noite de 9 de janeiro (2018), como Craig Burns e Luke Sullivan (na foto).
Foto: Getty Images/AFP/P. Hamilton
E no Brasil?
Na foto, as brasileira Roberta Felitte e Karina Soares posam após casarem em dezembro de 2013, no Rio. Em maio daquele ano, o Brasil regulamentou o casamento gay por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas, apesar de cartórios não poderem se recusar a casar pessoas do mesmo sexo, a norma não tem força de lei e pode ser contestada por juízes.