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Opinião: Chega de antissemitismo na Europa!

Michel Friedman ca
29 de março de 2018

Assassinato em Paris de anciã sobrevivente do Holocausto deixa o mundo em choque. Mas esse crime não é nenhuma surpresa, pois antissemitismo já se tornou um hábito europeu, opina o jornalista Michel Friedman.

Entrada do apartamento de Mireille Knoll  em Paris, onde octogenária judia foi morta em 23/03/2018
Entrada do apartamento de Mireille Knoll em Paris, onde octogenária judia foi morta em 23/03/2018Foto: Reuters/C. Achi

Chega!

Então ninguém está notando quão longe já vai o começo daquilo de que nós todos queríamos nos defender, juntos? Há muito já estamos em meio ao antissemitismo, em pleno ódio aos judeus na Europa.

Os exemplos são inúmeros: em Paris uma sobrevivente do Holocausto é brutalmente assassinada por ser de fé judaica. No Reino Unido, o Partido Trabalhista é abalado por escândalos antissemitas e seu presidente não faz nada. Na Hungria o primeiro-ministro, Viktor Orbán, esbraveja contra uma suposta conspiração do judeu George Soros.

A Polônia tenta desesperadamente se declarar um cordeirinho inocente no que tange a seu antissemitismo antes, durante e depois do Holocausto. Na Áustria, os extremistas de direita do governo fazem estragos, e o chanceler federal Sebastian Kurz os torna socialmente aceitáveis, por calculismo de poder. O antissemitismo parece estar novamente legitimado e legalizado por meios eleitorais.

Chega!

Jornalista e apresentador Michel FriedmanFoto: Markus Altmann

E, sim, também na Alemanha. No país, há décadas escolas, jardins de infância e centros comunitários judaicos precisam ser protegidos de velhos e novos nazistas. Políticos da legenda Alternativa para a Alemanha (AfD) chamam o Memorial do Holocausto em Berlim de "monumento da vergonha", e querem reescrever a cultura da memória. E essa AfD, esse partido de extrema direita com palavras de ordem racistas e antissemitas impossíveis de se ignorar, pela primeira vez passou a integrar o Parlamento alemão.

Todos os fins de semana, times de futebol adversários são xingados de "judeus" em campo, e quase ninguém se abala. Contam-se piadas de judeus e muito se ri, embora elas nunca sejam engraçadas. E, também aqui, quase ninguém se abala. Cemitérios judeus são regularmente profanados. E na internet grassam o ódio, desprezo e provocação intelectual.

Chega!

Não somente no mundo digital, mas também no mundo real encontram-se misantropos sem freios e descarados, já há décadas. Gente que afirma que isso ou aquilo precisa ser dito, e depois só cospe puro ódio, violência verbal, antissemitismo e racismo. Mas é justamente para isso que não há nenhuma justificativa e, portanto, não pode haver compreensão, nem sob o slogan "eleitores de protesto".

O antissemitismo estrutural, perfeitamente cotidiano, tornou-se um hábito. E exatamente isso é o pior de tudo: nada mais nos tira do sério, estamos dessensibilizados. Nas espirais diárias de excitação da moderna cobertura midiática, nos habituamos a coisas demais. Mas, como não reagimos mais a nenhuma afronta, nós nos enredamos, tornamo-nos cúmplices dos agressores.

Chega!

Também é verdade que, já há alguns anos, aliou-se ao antissemitismo nazista e de extrema esquerda o ódio de segmentos radicais do mundo muçulmano. Aparentemente ele se dirige a Israel, mas sua violência e dureza atingem basicamente todos os judeus, não importa onde vivam.

Há anos se alerta contra essa dinâmica. Há anos os atingidos relatam nas escolas alemãs o que vivenciaram, e sobre a parca reação dos responsáveis. Há anos presencia-se a agressão aberta em segmentos pequenos, mas crescentes, das comunidades muçulmanas da Alemanha. Lá, o Estado alemão tem deixado, há décadas e com plena consciência, a juventude à mercê de imames agressivos e antidemocráticos, oriundos da Arábia Saudita e Turquia. E reage com surpresa hipócrita quando justamente esses jovens acabam por se radicalizar.

Parte dos refugiados também é antissemita; eles vêm de ditaduras árabes que enfiam na cabeça de seu povo que é para odiar israelenses e judeus. Contudo, isso pode ser, no máximo, uma explicação, jamais uma desculpa.

Chega!

Da elite da Alemanha partem as manifestações de solidariedade de sempre, que nada mudam. Ou chavões como "Nenhuma tolerância à intolerância", os quais servem apenas para aliviar as próprias consciências.

Políticos locais minimizam obstinadamente o perigo da massa ultradireitista, a fim de proteger da má fama a própria região. Como se esse perigo não fosse, há muito tempo, um fato – a exemplo da cidade de Freital, na Saxônia, onde reina o terror de direita.

E a polícia, Ministérios Públicos e órgãos de segurança interna fracassam não somente no caso da NSU (célula de extrema direita responsável por vários assassinatos de estrangeiros), mas também nas manifestações do movimento anti-imigração Pegida e em muitos outros momentos.

Não se trata, em primeira linha, de solidariedade com os judeus, mas de um comprometimento com tudo e todos os que compõem este país livre. O que mais tem de acontecer para que, finalmente, se aja? Quantos sermões de domingo à base de "nunca mais" ou "cortemos o mal pela raiz" ainda se pode fazer, sem que os oradores se calem de vergonha, por em seguida assistirem, de segunda a sábado, a todas as mudanças, passivamente?

Os agressores desprezam a democracia, o pluralismo, liberdade, emancipação e esclarecimento. Será que veneramos esses valores o suficiente? Nós os defendemos com razão e paixão? Ou os que odeiam só soam tão alto porque os outros falam baixo demais?

Não escrevo tudo isso porque sou judeu, mas porque sou um ser humano. Um ser humano como você, que lê este artigo. Estou apreensivo. Também por você.

Chega!

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