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China deve clareza ao mundo

Peter Sturm
Peter Sturm
23 de abril de 2020

Regime bloqueia esforços para esclarecer origem da pandemia do coronavírus. Acima de tudo, teme ser obrigado a admitir erros. Mas o mundo não pode calar só porque na China rege o medo, opina Peter Sturm, do jornal "FAZ".

Foto: picture-alliance/dpa/AP/N. H. Guan

Na China pode-se ser rico com relativa tranquilidade, embora o país seja governado por um partido supostamente comunista. Já faz algum tempo, os casais chineses também podem ter mais de um filho.

Mas é preciso pensar várias vezes antes de fazer perguntas ao governo. Pois quem questiona as ações governamentais têm dúvidas. E, segundo a cartilha de Pequim, dúvidas minam a estabilidade do país, são algo que pode logo acabar diante de um tribunal e na prisão, sob acusação de "comprometer a autoridade estatal".

No momento, o governo está especialmente sensível com perguntas relativas a sua atuação na pandemia de covid-19. Enquanto os questionadores domésticos recebem o tratamento "costumeiro", quando as perguntas vêm do estrangeiro Pequim reage com indignação, argumenta que não se pode "politizar" algo assim. E quanto a teorias como a de que o novo coronavírus possa ter escapado, por engano, de um laboratório em Wuhan para o mundo, "não há provas".

Essa afirmação, procede, é claro. Mas, em seu próprio interesse, o mundo precisa saber como e por que se chegou ao atual estado de coisas. E dado não haver dúvidas de que a China é o local de origem do mal, seria em primeiro lugar tarefa dos governantes chineses cuidarem para que haja clareza e apresentarem "provas".

Isso sabidamente implica um grau de transparência de que o sistema chinês não é capaz. Sobretudo porque, numa investigação de verdade (como exige a Austrália, por exemplo), o resultado não pode estar determinado de antemão. Ou seja, pode ficar constatado que a China cometeu algum erro. Mas a China não pode ter feito nada de gravemente errado – conforme o governo.

Para o resto do mundo, essa constatação impõe questionamentos fundamentais que vão muito além da pandemia. A importância da China no mundo cresce, quer se goste, quer não. Que relação pode ter um Estado (Alemanha) ou uma liga de nações (União Europeia) com um país que só respeita as regras que ele próprio escreveu?

Pode-se confiar num governo que interpreta qualquer desejo de examinar suas ações como um crime de lesa-majestade? Mas, se não é possível confiar nesse governo, quais serão as consequências políticas, e sobretudo econômicas?

Na verdade ninguém deveria se espantar que tais questões estejam surgindo, hoje em dia. Afinal, já antes da eclosão da pandemia de coronavírus, a China vinha mostrando sua verdadeira cara. No entanto há muitos anos os políticos, e sobretudo as empresas ocidentais, insistiam em só ver o lado cor-de-rosa do caminho chinês. O progresso econômico do país é, de fato, impressionante. E não foi só a China a lucrar com ele, mas também o resto do mundo.

Mas, também aqui, "a bandeira segue o comércio" [slogan colonialista de Bismarck sobre a atuação do Estado alemão onde houvesse interesses econômicos alemães], e a influência política da China aumenta à medida que sua economia se expande. Em si, trata-se de uma constatação trivial, porém há muitos anos tem predominado no Ocidente o consenso de que está tudo bem assim.

Um problema é que essa influência política não se manifesta tão óbvia e brutal como antes, como era com as potências coloniais europeias. Por isso, há algum tempo o despertar tem sido tão mais desagradável para muitos: eles constatam que a China, quando quer, sabe ser extremamente enérgica ou até agressiva.

A situação é insatisfatória, e ao que tudo indica não há uma saída fácil. Seria contraproducente, por exemplo, isolar-se economicamente da China. Mas é preciso refletir se um investimento que, do ponto de vista do custo, seria vantajoso fazer lá, não estaria mais bem aplicado, do ponto de vista estratégico, em outro local - digamos, na Europa.

Pequim aceita com prazer sua influência crescente na política mundial, mas, quando se trata da responsabilidade que, forçosamente, cresce junto, a situação fica bem menos clara. Responsabilidade implica levar em consideração o interesse alheio, e esse não é um ponto forte do governo chinês, que prefere pregar um nacionalismo tacanho.

O que dificulta uma relação de confiança com a China, acima de tudo, é o fato de a liderança em Pequim não estar, em absoluto, segura de sua posição. Grande parte do barulho que ela faz, dentro e fora do país, por causa da pandemia de covid-19 se deve a essa sua postura,

Os governantes chineses criaram um dilema para si: se admitirem um erro, estarão - de seu próprio ponto de vista - mostrando fraqueza. E quem mostra fraqueza perde legitimidade. Eles próprios terão que ver como se libertam desse beco sem saída. Seja como for, para o mundo a conclusão não pode ser calar todas as críticas só porque na China rege o medo.

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