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Conflito na Ucrânia é estopim para próxima crise mundial?

10 de março de 2022

Preços disparam, faltam matérias-primas: como será o mundo ao fim da guerra no Leste Europeu? Sem dúvida, com a Rússia, pois não há alternativa. Mas com uma Rússia sem Putin, opina Henrik Böhme.

Cidade de Irpin após bombardeio: imagens diárias de destruição e sofrimento na UcrâniaFoto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance

Crises e guerras alteram muita coisa, às vezes tudo. Depois da Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se uma nova ordem mundial, mas também instituições como a Organização das Nações Unidas, com o fim de assegurar que um conflito tão devastador jamais acontecesse de novo. Depois da crise financeira mundial, os governos puxaram as rédeas dos bancos, fortaleceram as agências supervisoras. Na crise da covid-19, finalmente aprendemos a apreciar as vantagens da digitalização, por exemplo no trabalho à distância.

E agora esta guerra, desencadeada por um homem que quer corrigir (pelo menos o que ele considera) erros do passado. Um homem cujas exportações de gás natural há anos aquecem os lares alemães. O presidente de um país que tinha tudo para ser uma superpotência sem precisar invadir outros: montes de matérias-primas, povo de boa formação, uma cultura fantástica.

Um país que tem tudo isso, mas que desperdiçou a chance de tirar a melhor vantagem: os lucros bilionários do comércio com matérias-primas não foram empregados para posicioná-lo no topo do ranking mundial, em termos tecnológicos. Em vez disso, os chefes das empresas – os oligarcas, no jargão técnico – se precipitaram numa corrida maluca pelo iate mais luxuoso, o imóvel mais valioso, a clube de futebol mais caro.

Sanções atingem quem deveriam?

E agora esta guerra, que só sabemos que é travada com toda brutalidade, mas não quando e como poderá acabar, nem até onde o chefe do Kremlin está disposto a ir. Ele faz o assim chamado "Ocidente" se unir, provoca sanções de rigor extremo. Sim, o rublo se desvaloriza, a avaliação de risco crédito russa está no nível "lixo", investidores estão pegando seu capital e dão no pé.

Mas será que as sanções terão o efeito esperado? Será que atingem quem deveriam, ou só o cidadão comum – que, por enquanto, não vai poder comprar jeans Levi's nem iPhones, nem pedir mais um hambúrguer no McDonald's?

A Europa Ocidental, viciada nas drogas russas petróleo e gás, se preocupa com suas indústrias, em grande parte dependentes desses combustíveis fósseis. Os europeus temem o próximo inverno, ameaçados de passar frio nas suas casas. Nos postos de gasolina, os preços explodem, o custo do petróleo salta de um recorde para o próximo.

E este é só o começo: o níquel, por exemplo – que a Rússia igualmente possui em abundância e é indispensável para a produção de aço, entre outros usos – encareceu mais de 50%, de um dia para o outro. Mais caros estão, ainda, paládio, alumínio, os gases nobres neon e xenon – também eles matérias-primas importantes, que as firmas da Europa Ocidental importam, em grande parte, da Rússia.

Ingredientes para uma crise econômica

Já correm apostas de quando o preço do petróleo quebrará a marca dos 200 dólares. E apostar é até supérfluo: a inflação se tornará um enorme problema, pois há poucos motivos para crer que a situação possa desescalar no front dos preços.

Antes pelo contrário: isso tudo soa como os ingredientes perfeitos para uma nova crise da economia mundial. Só que desta vez os cofres dos ministros das Finanças estão vazios, após os programas bilionários de combate à pandemia de covid. Como, então, financiar eventuais novas ajudas conjunturais?

Nas capitais da Europa, forjam-se planos urgentes para uma maior independência do gás e petróleo russos. Falar é fácil, fazer é que são elas – e tão rápido assim, não há de ser. E será caro, além de tudo: encher os reservatórios da Europa com gás liquefeito em vez de gás russo, antes do próximo inverno, deverá custar uns 70 bilhões de euros, calculam especialistas.

Por outro lado, Moscou vai pensar duas vezes antes de fechar o registro do gás, pois com isso ganha diariamente milhões e mais milhões. Só em fevereiro, os europeus depositaram 5,6 bilhões de euros para a estatal Gazprom e companhia. Ao preço atual, a Rússia ganha entre 70 e 90 dólares com cada barril de petróleo que exporta.

Com Rússia, sem Putin

A única solução seria aumentar drasticamente o volume de petróleo nos mercados internacionais, a fim de achatar os preços. Por outro lado, os cofres estatais do Kremlin estão cheios até a borda, as dívidas são relativamente baixas, e em Pequim tem-se vizinhos fiéis e sedentos de novas fontes de matérias-primas e de mercados consumidores.

Contudo, a grande questão, que talvez seja cedo demais para colocar, é: como vai ser nossa relação futura com a Rússia? Haverá sequer uma relação? Claro, a guerra tem que acabar, de preferência já, o sofrimento dos habitantes da Ucrânia precisa ter fim.

Mas isolar a Rússia do comércio mundial, em caráter duradouro? Muito difícil. Resolver os problemas do mundo (por exemplo, a mudança climática) sem a Rússia? Entre difícil de imaginar e impossível. É claro que só será possível com a Rússia. Mas só com uma Rússia sem Vladimir Putin.

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Henrik Böhme é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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