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Opinião: COP23, os extremos da política

Marina Silva
16 de novembro de 2017

Conferência do Clima em Bonn tem tarefa histórica de entregar à sociedade ponto de partida para implementação do Acordo de Paris. Após saída dos EUA, Brasil está se retirando disfarçadamente do pacto, opina Marina Silva.

Instalação nos arredores da COP23, em Bonn, na Alemanha
Instalação nos arredores da COP23, em Bonn, na AlemanhaFoto: DW/P. Große

Começou na semana passada a 23ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (COP23), em Bonn, na Alemanha, em meio a um cenário de muitas incertezas e apreensão após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

O acordo, assinado por 195 países na capital francesa em 2015, promoveu avanços nas negociações multilaterais no combate à mudança do clima. Mas a saída dos Estados Unidos deixou um saldo negativo para a implementação do pacto e reinseriu uma disputa de ordem financeira, que em tese parecia matéria superada, entre países ricos e pobres.

Leia também: Brasil ganha reforço milionário para combate ao desmatamento

O acirramento das negociações surge em um contexto em que os compromissos nacionais assumidos já não são suficientes para que se cumpra o objetivo do Acordo de Paris – de que a elevação da temperatura do planeta fique abaixo de 2 graus Celsius e muito próximo dos 1,5 grau Celsius. Os compromissos atuais apontam para uma aumento de 3 a 4 graus Celsius na temperatura global.

Há, portanto, um cenário que exige um compromisso ainda maior dos países desenvolvidos com os países mais vulneráveis – econômica, social e ambientalmente. O mecanismo de perdas e danos do Acordo de Paris estabelece que países afetados por eventos extremos de grandes magnitudes e sem condições de adaptação a eles recebam ajuda e financiamento internacional.

Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente e senadora pelo AcreFoto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images

A realização da Conferência em Bonn, sede do secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), pode ser vista como um gesto nessa direção. Fiji seria o país-sede, mas por falta de infraestrutura para comportar milhares de pessoas que participam de um evento dessa magnitude, a conferência foi transferida para solo alemão. Mesmo assim, a nação-ilha do Pacífico foi mantida na presidência política e simbólica da conferência.

Fiji é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas e já teve comunidades inteiras desalojadas pela elevação do nível dos oceanos. O drama que estão vivendo depende de medidas efetivas urgentes. Assim como Fiji e outros países insulares, cada vez mais regiões do mundo sofrem com o aumento da intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, conforme diagnóstico publicado recentemente por cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60 mil pessoas morrem anualmente como consequência de eventos climáticos extremos, principalmente nos países mais pobres.

A COP23 tem, em vista disso, uma tarefa histórica de entregar para a sociedade global um consistente ponto de partida para implementação do Acordo de Paris. Há um elevado sentido de urgência e um compromisso com as gerações atuais, que já sofrem os efeitos negativos do aquecimento global, e com as próximas gerações, que seguramente serão as que sofrerão os piores efeitos, caso não haja controle do aumento da temperatura nas próximas décadas.

Esse ponto de partida rumo a um novo ponto de chegada precisa dizer claramente como funcionará o mecanismo de desenvolvimento sustentável criado em Paris e como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) assumidas pelos países signatários serão monitoradas, reportadas e revisadas.

O Brasil, que já desempenhou papel de destaque no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas, agora caminha na direção contrária, aquela do atraso protagonizado pelos Estados Unidos. Ainda que o presidente Michel Temer tente se esconder atrás de um discurso fabricado para iludir os brasileiros e a comunidade internacional de um suposto comprometimento com a agenda ambiental, os fatos falam por si. 

O governo concede anistia a crimes de grilagem de terras públicas na Amazônia, desmatamento e exploração ilegal madeireira; reduz o tamanho de unidades de conservação; paralisa o processo de criação de novas terras indígenas na Amazônia; enfraquece o principal órgão de combate aos crimes ambientais por meio da redução de 50% de seu orçamento; corta os recursos de programas como o Bolsa Verde e Programa de Cisternas (um dos maiores programas de adaptação do planeta); e incentiva iniciativas legislativas que fragilizam o licenciamento ambiental.

Além de tudo isso, o governo patrocinou uma Medida Provisória que concede isenção fiscal para empresas explorarem petróleo e gás das reservas do pré-sal e que deve alcançar 1 trilhão de reais até 2040. Para se ter uma ideia do desastre em curso, as emissões do Brasil chegaram a quase 2,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em 2016, significando um aumento de 8,9% em relação a 2015. Esse é o maior aumento de emissões desde 2008.

Isso explica porque, embora formalmente o Brasil se mantenha no Acordo de Paris, na prática está se retirando silenciosa e disfarçadamente. Estão sendo fragilizadas as bases legais, institucionais e orçamentárias que fizeram com que o Brasil conseguisse, entre 2004 e 2012, reduzir em 80% as emissões de CO2 oriundas de desmatamento e evitasse lançar cerca de 4 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

Os retrocessos marcados por uma visão cínica se contrapõem ao status de urgência da luta contra o aquecimento global. Se os eventos extremos que estamos presenciando hoje se tornarem a regra e não a exceção, se a produção agrícola for seriamente comprometida por anos seguidos de secas ou chuvas extremas, se regiões inteiras do mundo continuarem a se desertificar ou a perder territórios para o mar, se os vetores de doenças tropicais continuarem a se expandir pelo mundo, corremos o sério risco de atingir um ponto de não retorno. 

As negociações na COP23 até agora não produziram resultados significativos. O segmento técnico findou, e agora todas as expectativas se voltam para o segmento ministerial, quando as autoridades políticas dos países assumem as negociações. Repousa sobre eles a responsabilidade de fazer avançar o que os técnicos não lograram. É preciso agir, assumir compromissos, enquanto ainda há tempo, evitando o desastre de eventos extremos produzidos pela inação política.

* Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente do Brasil de 2003 a 2008. Atualmente lidera o partido Rede Sustentabilidade.

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