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Opinião: Cruzada cultural do EI está fadada ao fracasso

Kersten Knipp (av)1 de março de 2015

Ao destruir tesouros da arte pré-islâmica em Mossul, jihadistas levam ao plano cultural a cruzada contra outras formas de ser. Mas não vencerão sua luta contra passado e presente, opina o jornalista da DW Kersten Knipp.

Kersten Knipp, jornalista da DWFoto: DW/P. Henriksen

Para destruir as estátuas antigas, bastaram alguns segundos. Um, dois golpes de marreta, e as milenares obras de arte estavam perdidas para sempre. Ao todo, os militantes do "Estado Islâmico" (EI) não precisaram de mais que alguns minutos para aniquilar parte da herança cultural não só do Iraque, mas de todo o Oriente Médio.

O vídeo de furor iconoclasta, colocado na internet pelos terroristas islâmicos, não mostra nada além de um ataque à história e identidade de toda uma região, numa atitude totalitária. As estátuas eram a expressão palpável dessa identidade, baseada no princípio da diversidade cultural, e constituíam para o EI uma grande provocação.

Da mesma forma que oprime, mata e expulsa os que professam outras crenças, o grupo fundamentalista tenta também atacar o passado, quando este não se encaixa em sua visão de mundo. Genocídio e iconoclastia são dois lados da mesma moeda.

O que consola é apenas o fato que, no fim das contas, esses atentados à cultura serão em vão: não se pode vencer o passado. Não há como demolir a realidade. Os iconoclastas de todos os tempos têm repetidamente vivenciado, sem exceção, o quão inútil é o seu trabalho. Pois desde sempre houve tentativas de destruir o antigo, a fim de colocar o novo em seu lugar.

No livro bíblico do Êxodo, Deus exige de Moisés que, ao chegar à Terra Prometida, antes de tudo faça tábula rasa. Principalmente ele lhe proíbe de aceitar o culto dos habitantes de então: "Derrubareis seus altares, quebrareis suas colunas e seus pilares sagrados."

Uma das grandes conquistas da era moderna foi condenar tais práticas. Porém, ela não conseguiu eliminá-las do mundo. Pelo contrário: as guerras culturais se acirraram.

Ao marchar sobre Argel, em 1830, os franceses destruíram os bairros centrais da cidade, para erigir no seu lugar sua place d´armes, destinada a exercícios militares. Assim os ocupadores davam a entender aos vencidos, inequivocamente, que despontara um novo tempo, contra o qual toda resistência era inútil. Aos ataques à arquitetura, seguiram-se medidas draconianas contra todos os que ousassem discordar dos dominadores e se interpor a eles.

Os iconoclastas do século 20 foram ainda mais radicais. Em 1931, Josef Stalin mandou explodir a Igreja do Cristo Redentor no centro de Moscou para em seu lugar construir o Palácio da República. Embora isso nunca tenha se concretizado, tais planos anunciavam o ideal do novo homem soviético, que logo fariam centenas de milhares de vítimas.

Ao incendiar as sinagogas, durante os pogroms de novembro de 1938, os nazistas sinalizavam sua campanha de extermínio contra os judeus da Alemanha e da Europa.

Depois de incitar à destruição dos mosteiros do Camboja, o Khmer Vermelho declarou caça a todos aqueles que, a seus olhos, tivessem cometido o imperdoável crime de se decidir por uma vida nas cidades, centros de civilização. Dois milhões de pessoas acabariam sucumbindo a esses planos de reforma do mundo.

No fim do século 20, por último, o Exército sérvio partiu para o ataque contra as cidades de seus inimigos. Após ser destruída, a croata Vukovar, por exemplo, deveria ser reerguida num estilo servo-bizantino que na realidade nunca existiu.

A modernidade condena as cruzadas contra a cultura, mas não tem como impedi-las. Seu destino trágico parece até mesmo ser incentivá-las, involuntariamente. Pois, ao romper em grande escala com as tradições e heranças, ela deixa os que nela vivem diante da pergunta: em que se apoiar, então?

Encaradas assim, todas as ideologias totalitárias não passam de gigantescos empreendimentos compensatórios. O nacional-socialismo e o comunismo podem também ser interpretados como tentativas de substituir o paraíso perdido por um novo.

No momento, o jihadismo adota para si essa missão. Também seus adeptos sonham com um novo paraíso na Terra, o domínio do califado. Por mais que os jihadistas se neguem a percebê-lo, sua campanha guerreira não passa de uma prova, no fim das contas, de quão moderno o Oriente Médio se tornou há tempos.

Por isso, o EI só durará algum tempo, assim como todos os movimentos extremistas antes dele. No fim, seu trabalho de destruição está, ele próprio, fadado a desaparecer. Pois nem na Síria nem no Iraque, assim como em nenhum outro lugar do mundo, as pessoas admitirão a longo prazo que se lhes dite o que devem pensar ou em que acreditar.

Como todas as ideologias, o EI não será capaz de manipular duradouramente nem o passado nem o presente. Até então, é bom lembrar que de boas intenções o inferno está cheio.

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