Diz-se que o único amigo dos curdos são as montanhas. De fato, com o seu referendo pela independência, eles se colocaram contra o resto do mundo. Este também nunca fez muito pelos curdos. Tirando Israel, que é, ele próprio, cercado por inimigos, não há apoio em qualquer lugar do mundo para a independência curda. Em vez disso, o exterior longínquo expressa objeções e críticas. E quanto mais próximo do Curdistão, mais abertas são as ameaças: no norte, a Turquia reforçou militarmente suas tentativas de intimidação com tanques na fronteira. No leste há tropas iranianas. No sul, o primeiro-ministro do Iraque colocou em marcha soldados iraquianos e milícias xiitas.
Os Estados da região parecem estar unidos na vontade de manter, a todo custo, as fronteiras delimitadas pelas potências coloniais França e Inglaterra depois da Primeira Guerra Mundial, sem consideração pelas populações locais, durante o processo de falência do Império Otomano.
Só que: os curdos saíram de mãos vazias na época, apesar de promessas contrárias. O direito de autodeterminação dos povos é um fundamento do direito internacional e está inscrito na Carta das Nações Unidas. Mas, para os estimados 40 milhões de curdos – o maior povo do mundo sem um Estado próprio – ele é até hoje uma frase vazia. Assim, ninguém deve ficar espantado de saber que os curdos não dão muita importância para a integridade territorial do Iraque. Por décadas eles foram reprimidos no Iraque, em parte expulsos, e mortos aos milhares com ataques de gás.
Do ponto de vista histórico, o momento não poderia ser mais apropriado para os curdos: na luta contra a barbárie da milícia "Estado Islâmico", eles conquistaram a simpatia do mundo – e foram equipados com armas modernas. O Estado iraquiano está enfraquecido. A Turquia está dividida pela tentativa de golpe e se afastou de seus aliados ocidentais. E a Síria não desempenha papel nenhum no jogo das potências regionais com populações curdas. O referendo reflete, assim, em medidas iguais, tanto a força e o desejo de independência dos curdos como a crise do Estado iraquiano e o caos na região.
E ainda assim é possível que o presidente do governo regional curdo tenha apostado alto demais com o referendo. Massoud Barsani convocou o referendo sobretudo por razões de política interna: para fortalecer sua posição e a do seu partido, o Partido Democrático do Curdistão. Barsani governa de forma quase ditatorial e, há anos, sem legitimação democrática. Por isso é controverso no Curdistão. É possível que ele tenha subestimado tanto a empolgação de sua população com a independência como a oposição das potências regionais.
Para que não haja mais uma explosão no barril de pólvora chamado Oriente Médio, todos os envolvidos devem manter a calma: o referendo não é vinculativo, e o governo regional curdo sempre ressaltou que a independência não é uma consequência automática dele. Barsani pode declará-lo uma mera pesquisa de opinião. Já Bagdá, Ancara e Teerã deveriam recuar logo tanto militarmente como na retórica. Quanto mais essas potências também considerarem o referendo não vinculativo, tanto melhor. Pois a verdade é que a região autônoma do Curdistão já tinha todas as características da independência antes mesmo do referendo: governo próprio, militares, livros escolares próprios, controle de fronteiras e de quem pode entrar e sair.
Talvez assim seja possível acalmar de novo a situação, às custas de uma verdadeira independência e, com isso, do direito dos curdos à autodeterminação. Mas no mais tardar quando se negociar a paz na Síria, a questão curda vai voltar à tona. Enquanto ela não for resolvida, a região não retornará à paz.