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Dias de uma triste verdade no Vaticano

20 de fevereiro de 2019

A Igreja Católica está diante de dias decisivos. Encontro inédito entre superiores das ordens religiosas e presidentes das conferências nacionais episcopais com o papa confronta instituição com escândalo dos abusos.

Foto do documentário alemão "Abuso na igreja católica"Foto: BR

A presença de representantes da imprensa, principalmente vindos dos Estados Unidos, é enorme. Muitos comparam a atenção e a tensão atuais com as dos dias de uma eleição papal. É que, nesta semana, há muitíssimo em jogo no Vaticano: a revisão de abusos sexuais perpetrados por religiosos, a palavra de ordem "tolerância zero", reiteradamente invocada pelo papa Francisco, a postura diante da sexualidade dos clérigos, o abuso do poder espiritual pela hierarquia. Tudo isso sacode as bases da Igreja.

Na Alemanha, esse abalo pode ser verificado nos números crescentes de êxodos da Igreja. Em muitos outros países onde o pertencimento à Igreja não é registrado pelo Estado como na Alemanha, a situação não é melhor. Nesses locais, a queda da confiança na instituição deve valer como indício. Atualmente, os números têm o efeito de uma bancarrota. A Igreja quer servir à salvação das pessoas. Nesse contexto, confiança e fé são os fatores mais importantes. E, sem confiança, não há fé. 

Desde que Francisco convidou os presidentes de todas as Conferências Nacionais de Bispos do mundo, além dos superiores de ordens religiosas, para essa reunião de emergência (o encontro não é nada além disso) em Roma, ordenando que haja diálogo com vítimas dos abusos, surgiram cada vez mais novos números.

Eles mostram que, também no tema abusos, a Igreja é uma Igreja universal. Na Polônia e no México, na Bélgica, em muitas dioceses nos Estados Unidos, para citar alguns exemplos, houve divulgação de novos resultados de investigações. Outras regiões, especialmente da África e da Ásia, vão relatar casos ao Vaticano sem divulgação midiática. São centenas de casos, certamente milhares de vítimas que ficarão conhecidas. Possivelmente, dezenas de milhares de crimes. É repugnante e, na verdade, inimaginável.

E, há muito tempo, o escândalo atinge o próprio Vaticano. Casos das duas últimas semanas: um funcionário antigo da Congregação para a Doutrina da Fé, um religioso austríaco, renunciou ao cargo depois de ser confrontado com acusações de abuso por uma freira; o papa Franciscoexpulsou um dos cardeais americanos mais importantes das últimas décadas, o arcebispo Theodore McCarrick, do sacerdócio; na França, após denúncia de assédio sexual, a Justiça investigou o embaixador do papa, um arcebispo; e uma diocese nos EUA falou de acusações credíveis de abusos de um sacerdote que atuava como um dos juízes mais importantes na mais alta corte da Igreja, a Rota Romana. Cada caso é, por si só, assustador.

O encontro em Roma oferece motivo para agradecer às vítimas que não deixaram de pressionar por respeito e reconhecimento, por justiça, e também por indenizações. Em inglês, essas vítimas frequentemente se autodefinem como "sobreviventes", o que deve mostrar que muitos outros foram destruídos pelo sofrimento e pereceram.

Muitas vítimas estão em Roma esta semana, e, nesta terça-feira (19/02), freiras vítimas de violência por clérigos e que chegaram até a ser estupradas pelo bispo apareceram diante da imprensa. Na quarta, é a vez de vítimas de diferentes países e continentes que foram abusadas sexualmente quando crianças. Por representantes da Igreja, a instituição da salvação. Até sábado, as vítimas realizarão uma vigília, que será seguida de um protesto por Roma.

Com suas aparições, as vítimas chacoalharam a Igreja repetidamente. Pessoalmente, tenho o maior respeito por qualquer vítima que tenha a força e a coragem de testemunhar a violência sofrida. Uma violência que – justamente na África – costuma estar ligada à destruição da dignidade. E seria de se esperar que os representantes das deliberações com o papa consigam congregar todas as vítimas – e não apenas indivíduos escolhidos – a participarem da Missa da Penitência na "Sala Regia".

São dias obscuros em Roma, após muitos anos obscuros. São dias da verdade, da triste verdade. E as discussões dos representantes eclesiásticos do mundo inteiro só podem ser um impulso e um novo começo que ainda precisam ser seguidos de muitos passos com sérias intenções. O fim do poder patriarcal de padres no cotidiano. Dar as costas a ditames morais, voltando-se para uma busca conjunta pelo caminho certo. A reflexão sobre a imagem do sacerdote vigente até agora. Um vasto campo cujas fronteiras mal se consegue desenhar no momento.

Como homem "do fim do mundo", o papa Francisco reorganiza a Igreja desde março de 2013. Seu empenho a favor da Criação, sua dedicação aos refugiados e a pessoas à margem da sociedade pressionaram a Igreja. Mas também esse pontificado que, até agora, se mostrou tão diferente, único e contraditório, poderia fracassar diante de uma Igreja petrificada e de seu aparato clerical masculino. Esses dias de Roma também são uma hora zero para a Igreja Católica. Mas ela não é motivo para um otimismo demasiadamente grande.

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