A rigor, a chefe de governo alemã deveria explicar o que sabia sobre o escândalo do Bamf, até diante de uma CPI. Mas, no fim das contas, a tempestade não deverá ameaçá-la, opina o jornalista Christian F. Trippe.
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Escândalos políticos seguem uma certa lógica, semelhante a uma pedra que atinge a superfície lisa de um lago. Quando a pedra afunda, primeiro se forma-se um pequeno jato d'água. Em seguida, a perturbação faz surgir ondas circulares que se propagam num raio cada vez maior. A desencadear seu efeito máximo, a própria pedra há muito já desapareceu.
Um jato d'água de primeiro impacto foi avistado no estado alemão de Bremen há algumas semanas. Descobriu-se que, aparentemente, a diretora do escritório local do colossalmente enorme Departamento Federal para Migração e Refugiados (Bamf) burlara as leis durante anos a fio. Em cooperação com advogados e outros ajudantes, concedeu, através de sua assinatura, asilo injustificado na Alemanha a centenas de pessoas. Esse é o cerne das acusações. Mas essa história local não é tudo.
Cada onda circular causada pelo escândalo ampliou sua dimensão. Logo depois outros escritórios do Bamf tornaram-se alvos de escrutínio e estão sendo investigados. Milhares de notificações de asilo em toda a Alemanha serão verificadas.
Como sempre, a avaliação de um fracasso político se concentra na seguinte questão: quem sabia o quê, e quando? Quem dispunha das informações necessárias, mas não tirou as consequências políticas ou pessoais decorrentes? Essa questão fundamental também precisa ser respondida no Ministério do Interior. E assim as ondas de choque chegaram definitivamente a Berlim.
Agora a próxima onda atinge Angela Merkel diretamente: documentos internos mostram que o ex-chefe do BAMF, Hans-Jürgen Weise, havia informado Merkel pessoalmente sobre a difícil situação de sua agência.
Porém Weise vai mais longe, e levanta graves acusações contra o Ministério do Interior: lá se sabia quão deficitários eram a organização e a implementação no Bamf; a agência estava completamente sobrecarregada com a tarefa de processar quase 1 milhão de solicitações de asilo em poucos meses.
O ex-chefe está obviamente chateado por ter tido que assumir o papel de bombeiro da premiê em 2015, intervindo para reformar o Bamf. Ela se encontrava sob pressão considerável, devido a sua altamente controversa política de abertura de fronteiras; milhares de migrantes entravam a cada dia no país.
Weise obteve várias conquistas, especialmente acelerando os processos de concessão de asilo. Atualmente ele é acusado de ter gerado novos problemas com o slogan interno "quantidade antes de qualidade”. Esse tipo de coisa amargura. Sua raiva se volta nitidamente contra o ex-ministro do Interior Thomas de Maizière, o qual, para surpresa de muitos, Merkel não convidou para fazer parte do novo governo. Sua carreira política está definitivamente encerrada.
Por outro lado, outros funcionários de alto escalão mais próximos da chefe de governo foram poupados das acusações de Weise. O que já quase parece uma omissão planejada: Merkel é atingida pelo escândalo, mas só um pouquinho.
Em Berlim discute-se atualmente se o Bundestag deve nomear uma comissão parlamentar de inquérito para esclarecer o que deu errado em Bremen e em outros escritórios do Bamf. A oposição teria votos suficientes para iniciar uma investigação do tipo.
Mas especialmente o Partido Verde hesita, por temer que uma CPI como essa seja instrumentalizada pelos políticos do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), transformando o inquérito num acerto de contas generalizado contra a política de Merkel para os refugiados. Por outro lado, desde que Weise colocou a Chancelaria Federal ao alcance do escândalo do Bamf, uma investigação parlamentar é cada vez mais provável.
Para retomar a imagem da pedra na água: quando as ondas circulares chegam à margem do lago, estão tão fracas que não têm mais nenhum efeito. Muitas também desaparecem antes. Transportando para o escândalo político: isso que, a posteriori, tanto irrita o ex-funcionário de Merkel, não oferecerá perigo para ela.
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As imagens que marcaram a crise migratória
Fotos impressionantes do enorme fluxo de migrantes para a Europa em 2015 e 2016 circularam pelo mundo. No Dia Mundial do Refugiado, vale lembrar a perseverança dos que foram forçadas a deixar seus países.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A meta: sobreviver
Uma jornada combinada com sofrimento e perigo para corpo e alma: para fugir da guerra e da miséria, centenas de milhares de pessoas, principalmente da Síria, viajaram pela Turquia para a Grécia em 2015 e 2016. Ainda há cerca de 10 mil pessoas nas ilhas de Lesbos, Chios e Samos. De janeiro a maio deste ano, chegaram mais de 6 mil novos refugiados.
Foto: Getty Images/AFP/A. Messinis
A pé até a Europa
Em 2015 e 2016, milhões de pessoas tentaram, a pé, chegar à Europa Ocidental através da Turquia ou da Grécia até a Macedônia, Sérvia e Hungria. Este fluxo não parou mesmo depois de a chamada rota dos Bálcãs ter sido fechada e muitos países terem bloqueado suas fronteiras. Hoje, a maioria dos refugiados vai para a Europa usando a perigosa rota pelo Mediterrâneo através da Líbia.
Foto: Getty Images/J. Mitchell
Consternação mundial
Esta foto chocou o mundo em setembro de 2015: numa praia da Turquia foi encontrado o corpo do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos. A imagem se espalhou rapidamente pelas redes sociais e se tornou um símbolo da crise dos refugiados. Depois dela, a Europa não podia mais se omitir.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DHA
Caos e desespero
Sabendo que a rota de fuga para a Europa seria fechada, milhares de refugiados tentaram desesperadamente entrar em trens e ônibus na Croácia. Alguns dias depois, em outubro de 2015, a Hungria fechou a fronteira e criou campos com contêineres, onde os refugiados seriam mantidos durante a análise de seu pedido de asilo político.
Foto: Getty Images/J. J. Mitchell
Hostilidades
A indignação foi grande quando uma repórter cinematográfica húngara deu uma rasteira num refugiado sírio que corria com um menino no colo. Ele tentava passar por uma barreira policial na fronteira húngara em setembro de 2015. No auge da crise de refugiados aumentavam as hostilidades contra imigrantes, com ataques xenófobos a abrigos de refugiados também na Alemanha.
Foto: Reuters/M. Djurica
Fronteiras fechadas
O fechamento oficial da rota dos Bálcãs, em março de 2016, gerou tumultos nos postos de fronteira, onde milhares de migrantes não puderam mais avançar e houve relatos de violência policial. Muitos, como estes refugiados, tentaram contornar os postos de fronteira entre a Grécia e a Macedônia.
Uma criança ensanguentada coberta de poeira: a fotografia de Omran, de 5 anos, chocou o público em 2016 e se tornou um símbolo dos horrores da guerra civil da Síria e do sofrimento de seu povo. Um ano mais tarde, novas imagens mostrando o menino bem mais feliz circularam na internet. Apoiadores do presidente sírio afirmam que a primeira imagem foi usada para fins de propaganda.
Foto: picture-alliance/dpa/Aleppo Media Center
Em busca de segurança
Um sírio carrega a filha na chuva em Idomeni, entre a Grécia e a Macedônia. Ele procura abrigo na Europa. Segundo o Regulamento de Dublin, o asilo político precisa ser solicitado no primeiro país da União Europeia a que o refugiado chegou. Por isso, muitos que prosseguem viagem são mandados de volta. Por sua localização fronteiriça, Itália e Grécia são os países onde mais chegam refugiados.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Esperança
A Alemanha continua sendo o principal destino dos migrantes, embora a política de refugiados e de asilo do país tenha se tornado mais restritiva após o grande afluxo no final de 2015. Nenhum outro país europeu acolheu tantos refugiados como a Alemanha, que recebeu 1,2 milhão de pessoas desde 2015. A chanceler federal Angela Merkel foi um ícone para muitos dos recém-chegados.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Miséria nos campos de refugiados
No norte da França, um enorme campo de refugiados, a chamada "Selva de Calais", foi fechado. Durante a evacuação, em outubro de 2016, houve um incêndio no acampamento. Cerca de 6.500 moradores foram removidos para outros abrigos na França. Meio ano depois, organizações de ajuda relataram sobre muitos refugiados menores de idade que vivem como sem-teto em volta da cidade de Calais.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Laurent
Afogamentos no Mediterrâneo
ONGs e guardas costeiras estão constantemente à procura de barcos de migrantes em perigo. Eles preferem atravessar o mar em embarcações precárias superlotadas a viver sem perspectivas na pobreza ou em meio à guerra civil. Só em 2017, a travessia já custou 1.800 vidas. Em 2016 foram registrados 5 mil mortos.
Foto: picture alliance/AP Photo/E. Morenatti
Milhares esperam na Líbia
Centenas de milhares de refugiados da África Subsaariana e do Oriente Médio esperam em campos líbios para atravessar o Mar Mediterrâneo. Muitos estão nas mãos de contrabandistas humanos e traficantes de pessoas. As condições nesses locais são catastróficas, dizem ONGs. Testemunhas relatam casos de escravidão e prostituição forçada. Ainda assim, continua vivo o sonho de chegar à Europa.
Foto: Narciso Contreras, courtesy by Fondation Carmignac