A crueldade do novo vídeo dos terroristas islâmicos da Síria deixa qualquer pessoa perplexa. Mais uma vez fica claro que o "Estado Islâmico" está desafiando o mundo todo, opina o editor-chefe da DW, Alexander Kudascheff.
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O piloto jordaniano Muath al-Kasaesbeh está morto. Ele foi queimado vivo pelo chamado "Estado Islâmico" (EI). Preso numa jaula, ele sofreu um martírio inimaginável. A sua agonia durou 20 minutos – após ter sofrido, visivelmente, duros maus tratos. Nesta escalada inimaginável de novas atrocidades, esta incineração pública é apenas repugnante, abominável, nojenta. Ela lida com os instintos mais desprezíveis, ela aumenta o horror da crueldade.
O EI escravizou, abusou, estuprou, assassinou, destruiu povoados inteiros, dizimou yazidis, cristãos, pessoas de outras religiões, depois decapitou publicamente – e agora queimou publicamente. O que ainda vão imaginar os autoproclamados guerreiros islâmicos? O que ainda vão praticar na loucura totalitária de seu delírio de poder? É possível aumentar ainda mais sua crueldade? É possível aumentar ainda mais as suas videoencenações, a sua iconografia do terror e do suposto "retorno às raízes do verdadeiro, puro, original Islã"?
O EI desafia todos. Primeiro, os países por eles devastados, Síria e Iraque. Então os países vizinhos – da Jordânia, passando pela Turquia, até o Irã. Em seguida, toda a região – seja a Arábia Saudita ou o Egito. E, finalmente, o mundo todo – da União Europeia, passando pelos Estados Unidos, até a Rússia, país também ameaçado pelo terrorismo.
Não se trata mais de realizar com sucesso alguns ataques aéreos direcionados. Também não se trata somente de apoiar com armamentos os combatentes curdos peshmerga. Não se trata de conceder asilo para os milhões de refugiados, o que é óbvio. Não se trata nem mesmo – por mais amargo que seja – do destino político do ditador Bashar al-Assad.
A tarefa agora é aniquilar o EI. Destruí-lo militarmente, assim como se destruiu a Ordem dos Assassinos [seita dissidente do Islã] há 800 anos. É preciso primeiramente empreender uma campanha militar, assumir o desafio de derrotar o EI – mesmo que a morte de seu líder Al-Baghdadi e de seus jihadistas certamente atraia novos seguidores. O esvaziamento político e social da fascinação pelo jihadismo violento será então apenas uma segunda etapa.
Uma etapa difícil, aliás, como se pode ver em Estados desintegrados do Oriente Médio – como o Iêmen, a Líbia e também a fronteira ocidental, facilmente inflamável ideologicamente, ou o Cáucaso. Mas essa tarefa deve ser enfrentada pela própria sociedade árabe. Eles devem decidir se querem um Oriente Médio multicultural, multirreligioso ou se preferem afundar no turbilhão do islamismo fanático.
A decisão da Jordânia de executar os jihadistas Al-Rishawi e Karbuli pode receber aprovação como um ato de vingança de Amã. Tal decisão também pode levar em conta os interesses das sociedades tribais beduínas do Reino Hachemita [da Jordânia]. Mas ela correspondeu ao Antigo Testamento – não a um Estado de Direito. Assim, ela até pode contribuir temporariamente para o fortalecimento interno, mas deverá levar a um novo avanço da violência.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.