À medida que os programas de vacinação contra a covid-19 vão sendo implementados, 2021 começa tendo à vista a esperança de um fim da pandemia. Precisávamos de liderança corajosa, decisões duras e financiamento direcionado para chegar até este ponto. Agora temos que aplicar o mesmo vigor para combater a mudança climática, ou arriscar ter pela frente muitos anos tão ruins quanto o passado.
O ano de 2020 – provavelmente o mais quente já registrado – trouxe tempestades, incêndios florestais, secas, inundações e o derretimento de geleiras. A desaceleração econômica ditada pela pandemia gerou uma queda temporária das emissões de dióxido de carbono, embora com efeito insignificante sobre as temperaturas, no longo prazo: nossas emissões passadas ainda estão na atmosfera, e nós estamos acrescendo-as.
Mesmo que os países aplicassem os comprometimentos incondicionais mais recentes – conhecidos como Contribuições Determinadas em Nível Nacional (NDCs, na sigla em inglês) – assumidos no Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, ainda estaríamos a caminho de um aumento de 3,2 ºC da temperatura global, neste século. Tal aquecimento traria dor, miséria e distúrbios muito piores do que tudo com que a covid-19 nos tem confrontado.
Estamos perto do ponto de não retorno.
Os líderes mundiais podem recuar da beira do abismo, investindo em soluções verdes, sustentáveis no contexto dos esforços para recuperação da pandemia. O Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2020 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) nos disse que desse modo poderíamos reduzir 25% das emissões calculadas para 2030, colocando o mundo mais ou menos onde precisa para ter uma chance de alcançar a meta do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 2 ºC. Comprometimentos de emissão zero poderiam até mesmo nos aproximar da meta de 1,5 ºC.
Preparando-se para a maratona
Medidas de recuperação verdes e sustentáveis podem garantir esse corte, e ao mesmo tempo sustentar outras metas ambientais sociais e econômicas. Precisamos de apoio direto a tecnologias e infraestrutura de emissão zero: fim dos subsídios para o carvão mineral e combustíveis fósseis; politicas permitindo consumo com menor produção de CO2; soluções com base na natureza – incluindo restauração de paisagens e reflorestamento em grande escala, dentro da Década da ONU para Restauração dos Ecossistemas, que começa em 2021.
Até agora, foram poucas as nações que investiram em pacotes de estímulo verde. Isso tem que mudar.
Em 2021 também transcorre a 26ª Conferência da ONU sobre a Mudança Climática (COP26), um encontro-chave dos países signatários do Acordo de Paris. Segundo o Relatório sobre a Lacuna de Emissões, 126 países adotaram, anunciaram ou estão considerando planos de emissão zero. Se o novo governo dos Estados Unidos se unir ao movimento, como prometido, os países responsáveis por mais de 63% das emissões globais de CO2 terão se comprometido com a neutralidade carbônica.
Contudo – assim como quem, no primeiro dia de janeiro, promete que vai correr uma maratona no fim do ano – precisamos tomar certas medidas, a começar já, a fim de estarmos prontos para a corrida. Esses compromissos precisam urgentemente se traduzir em políticas e ações de curto prazo, integradas a uma recuperação da pandemia de baixa emissão carbônica e incluídas em NDCs novas e mais fortes, antes do encontro de novembro. Senão, tudo não passará de promessas vazias.
Estímulo ao financiamento da adaptação
Outra prioridade é ajudar os países e comunidades vulneráveis a enfrentarem os impactos crescentes das mudanças climáticas. O Relatório sobre Lacunas de Adaptação, a ser publicado pelo Pnuma nas próximas semanas, mostrará que ainda não estamos levando a sério a adaptação.
O financiamento permanece muito abaixo dos níveis necessários, e a maioria das iniciativas ainda se destina a minorar os riscos climáticos. Como comentou o secretário-geral da ONU, António Guterres, antes da COP26 precisamos de um comprometimento global para dedicar à adaptação a metade do financiamento climático total.
Este ano temos uma chance real de evitar a catástrofe climática. Empregando sabiamente os recursos de estímulo para dar partida a uma mudança sistêmica real, planejada e monitorada por NDCs mais fortes e compromissos de emissão zero, não só poderíamos alcançar a meta de 2 ºC do Acordo de Paris, como teríamos uma chance palpável de chegar ao 1,5 ºC.
Devemos aproveitar esta oportunidade para proteger nosso clima e natureza, e consequentemente a saúde, paz e prosperidade humanas, pelas próximas décadas. Esta pode ser uma das últimas oportunidades que teremos.
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Inger Andersen é diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.