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Europa tenta cavalgar o "tigre chinês"

Barbara Wesel Studio Brüssel
Barbara Wesel
2 de abril de 2022

Invasão russa da Ucrânia colocou UE também diante dos escombros da própria política externa. Adeus à era de ingenuidade geopolítica e interesses econômicos acima de tudo: uma nova ordem se anuncia, opina Barbara Wesel.

Foto: Rainer Unkel/IMAGO

Ao longo de décadas, os europeus – sobretudo a Alemanha – serviram como idiotas úteis para a China, apostando em desenvolvimento, transformação por meio do comércio e aproximação democrática através de melhores condições de vida para a massa da população.

No processo, deixaram de ver quão totalitário o presidente chinês Xi Jinping age e como converteu seu país numa ditadura cada vez mais perfeita. Agora a guerra na Ucrânia impõe perguntar se a nossa maior parceira comercial também se terá tornado nossa maior inimiga.

A questão não pode ser acabar com a amizade ou proximidade entre Xi e seu colega russo: isso é inteiramente utópico. A questão é simplesmente quão apertado o chinês pretende abraçar Vladimir Putin, e se está sequer disposto a considerar os interesses de segurança do Ocidente no confronto com sua parceria estratégica com a Rússia.

Na visão de Xi, num prazo razoável as duas autocracias poderiam dar fim à ordem mundial de orientação ocidental e às suas regras. Contudo no momento a guerra não transcorre absolutamente como deseja Putin, ela debilita a economia russa e desse modo, no médio prazo, a posição de poder dele.

Além disso, pode ser que, a esta altura, o chefe do Kremlin tenha desencadeado em Pequim dúvidas sobre a sua própria capacidade de julgamento político. Por conseguinte, o cálculo estratégico do líder chinês não vai funcionar sem maiores obstáculos.

"Amizade" sino-russa e equilíbrio do medo econômico

Contudo a China pensa numa escala de tempo mais vasta e pretende se aferrar a uma parceria que, para o futuro, promete acesso a importações de energia mais baratas. Por isso Pequim reforça que não quer ser forçado a tomar partido – embora na prática há muito já o tenha feito, ao prometer respaldo continuado a Moscou e evitar condenar a guerra contra a Ucrânia.

Por outro lado, o país asiático não quer, ele mesmo, ser objeto de sanções, uma vez que a União Europeia é seu maior mercado de exportação e garantia para um crescimento econômico continuado. Desse ponto de vista, Pequim não pode se dar ao luxo de perder a UE e os Estados Unidos como parceiros comerciais.

É possível que os chineses também tenham ficado surpresos com o grau de determinação na resposta ocidental à invasão. Agora o presidente Xi tenta praticar a arte diplomática do "tanto isso quanto aquilo", no sentido de seguir cultivando as relações com a Rússia, mas sem voltar o Ocidente contra si.

Os europeus possuem, portanto, um trunfo econômico perante a China para impedir eventuais fornecimentos de armas à Rússia ou um contorno das sanções. Contudo nesse ponto as subordinações são recíprocas, já que, sabidamente, certos Estados da UE estão tão dependentes do mercado consumidor chinês, que reina uma espécie de "equilíbrio do medo". Por isso no momento, com a ajuda de Paris, Berlim também tenta abrandar os tons excessivamente severos contra Pequim.

Clareza atípica por parte da UE

Em sua cúpula virtual com o presidente Xi, entretanto, as lideranças da UE deixaram explícito que a guerra na Ucrânia afeta interesses centrais de segurança europeia que Pequim teria que levar em consideração: eles não querem ver sabotados seus esforços de restringir o conflito, terminá-lo o mais breve possível e, depois, negociar uma paz sustentável. Não haverá um "continuemos assim" nem pseudo-soluções diplomáticas, foi a mensagem que os líderes europeus comunicaram com clareza pouco usual.

No decorrer dos últimos dois anos, a UE já perdeu a ingenuidade geopolítica em relação à China, ao declará-la "rival sistêmico", congelar o acordo de investimentos e, por fim, ainda ter que ver Pequim encostar na parede a pequena Lituânia, na questão do Taiwan.

Agora trata-se da difícil tarefa de encontrar um novo equilíbrio de forças. Pelo menos nesse ínterim a Europa compreendeu que também terá que lutar com armas mais pesadas e assumir posições definidas em nome dos próprios interesses e segurança. Foram-se os tempos em que os interesses econômicos suplantavam tudo.

Essa nova era da geopolítica obrigará também a UE a decisões difíceis e a renúncia. E – parafraseando o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski – a se colocar repetidamente a questão: o que é mais importante, o sangue dos ucranianos ou o bem-estar dos europeus?

Além disso, nessa luta também será tomada uma espécie de pré-decisão sobre a configuração dos blocos geopolíticos globais do futuro. No momento está tudo em jogo, para todos.

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Barbara Wesel é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

 

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