Muita euforia, nenhum progresso. Ainda antes de sua realização, já havia alguns indícios de que o simbolismo político desse encontro de tons hollywoodianos entre o presidente americano, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, não teria nenhuma relação com o resultado. E foi o que aconteceu.
Mas o ponto de partida também não poderia ter sido mais diverso: as duas partes negociadoras são inimigas ferrenhas há 70 anos. Uma delas é comunista, a outra capitalista; uma extremamente pobre, a outra abastada; uma governada por um regime autoritário, a outra, para muitos, é a própria definição de liberdade e democracia; a primeira quer se tornar uma potência nuclear a qualquer custo; a segunda já possui o maior arsenal de armas atômicas do mundo.
Na verdade, a realização de um encontro entre os dois adversários foi, em ambos os casos, motivada principalmente pela política interna. O jovem Kim queria e quer mostrar a seus seguidores que consegue forçar o "inimigo mortal" a conversações diretas em pé de igualdade. Com sua arriscada estratégia de escalada, o jovem político conseguiu acalmar os ânimos dos linhas-duras do partido e do Exército, além de ampliar o próprio poder.
Trump enfrenta problemas bem distintos. No primeiro dia do seu encontro com Kim, o ex-advogado do presidente americano Michael Cohen deu depoimento no Congresso sobre as relações comerciais de Trump com a Rússia. O procurador especial do Departamento de Justiça, Robert Mueller, que investiga a ingerência russa na eleição de 2016 nos Estados Unidos, deverá apresentar seu relatório final no fim do mês. Entre outras questões, o documento deverá esclarecer se Trump pode ser chantageado por causa da Rússia e se ele obstruiu as investigações da Justiça.
Diante disso, um sucesso na política externa seria alguma coisa.
Mesmo assim, Trump deverá vender o diálogo com o arqui-inimigo como "encontro maravilhoso". Mas não está claro, após essa segunda reunião, se a Coreia do Norte e os Estados Unidos estão trabalhando seriamente para chegar a um acordo de paz.
Kim já solicitou que a propaganda oficial divulgue que os EUA se encontram diante de um colapso econômico, que a Coreia do Norte teria forçado Washington a ficar de joelhos militarmente, e que o grande líder Kim Jong-un indicará o caminho da paz duradoura ao mundo inteiro.
Tudo isso passa longe da questão central no conflito atômico na Península Coreana. A desnuclearização, que deveria ser definida e detalhadamente elaborada num acordo, é crucial para que uma arquitetura de segurança confiável na região da Ásia-Pacífico seja alcançada.
Isso não funcionará sem os vizinhos. Coreia do Sul, Japão e China têm seus próprios interesses de política de segurança. A China, potência regional emergente, não quer permitir uma forte presença americana diante da porta de casa – para isso, está se armando fortemente, a exemplo do Mar da China Meridional. A desestabilização do regime em Pyongyang por meio de um possível ataque militar dos Estados Unidos causaria fugas em massa para a China – o que os chineses querem evitar.
Por outro lado, Coreia do Sul e Japão, aliados dos americanos, querem ter a garantia de que a Coreia do Norte realmente vai se desfazer de suas armas nucleares e que acabe com o desenvolvimento de mísseis intercontinentais. Os cidadãos não querem mais que sirenes disparem nos centros de Seul e Tóquio sempre que a Coreia do Norte lançar um míssil que possa transportar uma ogiva nuclear.
A boa notícia do encontro entre Kim e Trump é que o desejo de uma reconciliação existe e que o acirramento ameaçador pôde ser eliminado ou, pelo menos, atenuado.
Porém, a mensagem mais importante é: a política simbólica de dois exibicionistas não basta. Como próximo passo, todos os atores importantes na região – Coreia do Sul, Japão e China – precisam sentar com os EUA numa mesa para encontrar abordagens de soluções que sejam coletivamente viáveis para o desarmamento nuclear. Só assim será possível construir a pedra fundamental para a paz definitiva na região.
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