Com seu discurso na Assembleia Geral da ONU, Trump atacou fundamentos do multilateralismo e da cooperação internacional e deu carta branca a líderes autoritários de todo o mundo, opina o correspondente Michael Knigge.
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Em seu primeiro discurso, na Assembleia Geral do ano passado, um Donald Trump recém-eleito ameaçou aniquilar outro Estado-membro das Nações Unidas, a Coreia do Norte. Em sua segunda participação no órgão mundial, nesta terça-feira (25/09), Trump não ameaçou atacar outro Estado-membro da ONU. Em vez disso, numa fala contundente que lembrou seu historicamente temeroso discurso de posse, ele disparou contra toda a comunidade internacional e seus princípios fundamentais de multilateralismo e cooperação.
Assim como em seu discurso de posse, Trump retratou os EUA – o país mais poderoso do mundo – como a vítima que tem sido explorada por forças externas nefastas e a si mesmo como o salvador. Uma dessas forças perniciosas que ameaçam o bem-estar e a soberania dos EUA, segundo Trump, é a governança global.
A resposta dele à falsa escolha entre multilateralismo e soberania e à fantasiosa e iminente absorção dos EUA por organizações como a ONU é simples e nada original: o nacionalismo grosseiro adotado em seus slogans de campanha "Make America Great Again" (Faça os Estados Unidos voltarem a ser grandes) e "America First" (Os Estados Unidos em primeiro lugar), que já o ajudaram a vencer a eleição presidencial, vão também derrotar os supostos avanços insinuosos dos globalistas. Ou nas palavras de Trump: "A América é governada por americanos. Nós rejeitamos a ideologia do globalismo".
O truísmo de que os EUA são governados por americanos e a rejeição do que ele chamou de globalismo podem lhe render pontos num comício no Kansas, mas não com os líderes globais reunidos em Manhattan. O mesmo vale para a bravateira e factualmente imprecisa frase de abertura de que seu governo fez mais do que qualquer outro na história dos Estados Unidos. Na Assembleia Geral da ONU, tais palavras foram acertadamente recebidas com um misto de risadas incrédulas e envergonhadas. Essa também foi a reação da delegação alemã quando Trump provocou Berlim ao alegar que a Alemanha ficará completamente dependente da energia russa se não desistir de um polêmico gasoduto.
Curiosamente, esse foi o único momento em que Trump – ainda que indiretamente – criticou a Rússia. As ações do país na Síria? A interferência na campanha eleitoral nos EUA? O envenenamento de um ex-espião russo no Reino Unido? Os ataques a ativistas de direitos humanos e jornalistas? Nada disso foi mencionado num discurso em que Trump, por outro lado, atacou não só toda a comunidade internacional como também o grupo de países da Opep e os tradicionais parceiros comerciais de Washington. Até a China e o Irã foram alvo de fortes críticas, mas a Rússia, curiosamente, foi poupada.
Assim, a Rússia saiu claramente ganhando com o discurso de Trump, assim como os líderes autoritários de um modo geral. Pois, com suas declarações na ONU, o presidente do país mais poderoso do mundo deu sinal verde para que líderes autoritários e tiranos façam o que considerarem de seus interesses nacionais sem se preocuparem com interferências ridículas da ONU ou de outros agentes do globalismo.
Um ano depois de os EUA terem abandonado tratados internacionais importantes, como o acordo nuclear com o Irã e o Acordo de Paris, e deixado órgãos da ONU, incluindo a Unesco e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, Trump se apresentou, sob o disfarce da soberania, quase como um modelo a ser seguido por outros líderes.
O discurso de Trump também deixa claro que seu governo é sério quanto ao recuo de Washington em seu papel de principal ator multilateral, seguindo, em vez disso, um caminho guiado por sentimentos puramente nacionalistas. Nada reflete melhor a mentalidade "um só ganha se o outro perde", que é o cerne de tudo o que este presidente diz ou faz, do que a declaração de Trump de que, no futuro, os dólares de ajuda externa dos EUA fluirão somente para países amigos. Isso não apenas é uma medida politicamente míope que irá minar a posição global de Washington e seu papel de liderança, mas também uma renúncia à decência humana.
Se há algo de positivo no discurso de Trump – e isso é muito improvável -, então que talvez outros membros democráticos da comunidade internacional tenham agora percebido que, até que este presidente deixe a Casa Branca, eles terão que preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos.
Essa é uma tarefa difícil, mas que pode ser possível, porque Trump isolou seu país internacionalmente. O presidente e suas políticas são profundamente impopulares em várias partes do mundo. Isso foi novamente comprovado nesta terça-feira pela maneira como o público reagiu durante seu discurso. Mas não gostar de Trump não é suficiente. Se a comunidade internacional não quer uma ordem global na qual apenas os países mais poderosos tenham voz, ela precisa proteger organismos internacionais, como a ONU.
Donald Trump estremeceu o cenário político em seus primeiros dias como presidente dos EUA com uma série de decretos e memorandos impactantes. Entenda a diferença e o significado de cada um deles.
Foto: picture-alliance/dpa/Sachs
Forma rápida de cumprir promessas eleitorais
Com menos de duas semanas na presidência, Donald Trump emitiu 17 medidas executivas. Embora este número em si não seja significativo – no mesmo período Barack Obama assinou praticamente o mesmo número de ordens – o conteúdo dos decretos de Trump é. Parece que o novo presidente dos EUA quer implementar muitas de suas promessas de campanha – incluindo as controversas - o mais rápido possível.
Foto: Reuters/K. Lamarque
O que são ordens executivas e memorandos?
As ações executivas (EA) permitem que o presidente dos EUA dê ordens que não precisam de aprovação do Congresso a agências governamentais, contornando o processo legislativo e acelerando sua implementação. Ordens executivas são uma forma mais abrangente de EA que muitas vezes lidam com diretrizes organizacionais maiores, enquanto memorandos presidenciais ordenam agências específicas a fazer algo.
Foto: picture-alliance/CNP/A. Harrer
Enfraquecer Obamacare (ordem executiva)
A primeira ordem executiva assinada por Trump foi uma para retardar partes do Affordable Care Act (Obamacare) para "minimizar encargos regulatórios". Enquanto Trump sozinho não pode revogar a legislação instituída por Obama, ele pode minar a implementação do programa de saúde enquanto a maioria republicana no Congresso se prepara para revogá-lo.
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Retirar subsídio para aborto (memorando)
Trump reinstituiu uma política que impede o financiamento federal para ONGs que fornecem aconselhamento sobre aborto e defendem o direito ao aborto. Essa diretriz tem uma longa história: foi inicialmente instaurada pelo republicano Ronald Reagan, rescindida pelo democrata Bill Clinton, reinstituída pelo republicano George W. Bush, antes de ser reativada pelo democrata Barack Obama.
Foto: REUTERS/A. P. Bernstein
Deportação de imigrantes (ordem executiva)
Trump ordenou que os agentes de imigração expandissem o escopo das deportações. Ele visa retirar concessões federais das chamadas cidades-santuário (onde imigrantes sem documentos não são processados) e que imigrantes suspeitos de um crime sejam detidos, mesmo sem acusação. Trump pretende contratar 10 mil novos agentes e publicar um relatório sobre crimes cometidos por imigrantes sem documentação.
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Construir o muro (ordem executiva)
Numa ordem executiva assinada em 25 de janeiro, Trump solicitou "a construção imediata de um muro físico", a fim de proteger a fronteira entre México e EUA. Ele também se referiu aos imigrantes sem documentos como "deportáveis", dizendo que o Poder Executivo deve "acabar com o abuso das disposições de liberdade condicional e refúgio usadas para impedir a remoção legal de estrangeiros deportáveis."
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Veto a muçulmanos (ordem executiva)
Trump assinou este controverso decreto em 27 de janeiro. Ele proibiu pessoas de sete países de maioria muçulmana de entrar nos EUA por três meses, suspendeu indefinidamente o programa de refugiados sírios e suspendeu a admissão de refugiados por 120 dias. Protestos contra a ordem estouraram em todo o país e até mesmo os senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham criticaram a medida.
Foto: DW/M. Shwayder
EUA deixam TPP (memorando)
Não foi nenhuma surpresa Donald Trump ter abandonado a Parceria Transpacífico (TPP). Durante a campanha, ele criticou frequentemente o TPP e a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), afirmando que outros países se beneficiaram desses acordos comerciais, em detrimento dos EUA. O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, disse que Trump prefere lidar individualmente com os países.
Foto: Getty Images/AFP/
Sinal verde para oleodutos (memorando)
Três memorandos diferentes – um sobre a construção do oleoduto Dakota Access, outro sobre a continuação da construção do oleoduto Keystone e uma terceira ordem sobre o uso de materiais americanos nas obras – foram emitidos no quarto dia de Trump no governo. Obama tinha negado licenças para ambos os oleodutos após protestos em massa de ambientalistas, que temem o impacto de eventuais vazamentos.
Foto: REUTERS/S. Keith
Expandir as Forças Armadas (memorando)
Trump cumpriu sua promessa eleitoral de investir num Exército maior ao assinar na sua primeira semana no cargo um memorando que pede mais tropas, navios de guerra e um arsenal nuclear modernizado. Quatro dias antes ele ordenou congelar a contratação de civis em agências federais por até 90 dias, para que seu governo possa desenvolver um plano de longo prazo para encolher a força de trabalho.
Foto: Reuters/K. Pempel
Steve Bannon no NSC (memorando)
Trump ordenou uma revisão do Conselho de Segurança Nacional (NSC) para elevar o papel de Stephen Bannon. Trump retirou vários membros do painel responsável por tomar decisões de política externa, enquanto seu estrategista-chefe – conhecido por opiniões de extrema direita – servirá no comitê geralmente preenchido por generais. Isso rompe com a norma de longa data de não nomear políticos para o NSC.
Foto: pciture-alliance/AP Photo/E. Vucci
Desregulamentações (executiva e memorando)
Trump quer que agências federais eliminem ao menos duas normas para cada nova regulamentação e ordenou o congelamento de regulamentações federais, até que um chefe de departamento designado por ele possa revisá-las. Ele também pediu pela rápida aprovação de "projetos de infraestrutura de alta prioridade". Na campanha, Trump disse que o "excesso de regulamentações" feriu o comércio americano.
Foto: Getty Images/AFP/M. Ralston
Precedente presidencial
Obama emitiu um total de 277 ordens executivas – uma média de quase três por mês e um pouco menos do que seu antecessor, George W. Bush (291). Obama assinou 644 memorando presidenciais para contornar imposições no Congresso – um precedente do qual Trump aparenta estar tirando proveito, embora a maioria em ambas as Casas do Congresso seja republicana.