O dia 19 de abril vai marcar o fim da era Castro. Mas décadas de domínio e a percepção de que nada vai mudar deixam cubanos indiferentes a esse momento histórico, opina Yoani Sánchez.
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Minha mãe nasceu sob o castrismo, eu nasci sob o castrismo, meu filho nasceu sob o castrismo. Ao menos três gerações de cubanos viveram sob a liderança de homens com um mesmo sobrenome. Essa uniformidade está a ponto de se romper no próximo dia 19 de abril, quando se dará a conhecer publicamente o nome do novo presidente. Seja continuísta, seja reformista: sua chegada ao poder marca um feito histórico: o fim da era Castro nesta ilha.
Apesar da proximidade deste dia, sem precedentes no último meio século, as expectativas se encontram num ponto muito baixo nas ruas havanesas, num país que está a ponto de experimentar uma mudança transcendental em sua nomenclatura, a qual poderia começar em poucos dias.
Ao menos três razões alimentam essa indiferença. A primeira é a lamentável situação econômica que mantém a maior parte da população presa a um ciclo diário de sobrevivência no qual fazer elucubrações políticas ou profetizar uma manhã diferente são tarefas relegadas em favor de outras urgências, como pôr um prato na mesa, ir e voltar ao trabalho ou planejar uma fuga a outras latitudes.
O segundo motivo de tanta apatia tem que ver com o pessimismo que nasce da crença de que nada vai mudar com um novo rosto nas fotos oficiais, porque a atual gerontocracia manterá o controle através de um títere dócil e bem controlado; enquanto o terceiro motivo para o fastio vem de não se conhecer outro cenário, de não se ter as referências para imaginar que há vida depois da chamada Geração Histórica.
Esse sentimento de fatalidade, de que tudo continuará sendo como é, é resultado direto de seis décadas em que Fidel Castro, primeiro, e Raúl Castro, depois, controlaram a ilha sem que nenhuma outra pessoa pudesse lhes fazer sombra ou questionar sua autoridade na mais alta instância do governo. De tanto se manterem no timão da nau nacional, às custas de sufocar a oposição e eliminar outros líderes carismáticos, os dois irmãos se mostraram, todo esse tempo, como parte indispensável e permanente da história nacional.
Mais de 70% dos cubanos nasceram depois daquele janeiro de 1959 em que um grupo de barbudos entrou em Havana, armados e sorridentes. Pouco depois daquele momento, os livros escolares, a imprensa e a propaganda governamental apresentaram os "revolucionários" vestidos de verde-oliva como os pais da pátria, os messias que haviam salvado o país e os redentores do povo. Difundiram a ideia de que Cuba se identificava com o Partido Comunista, com a ideologia oficial e com um homem chamado Castro.
Agora, a biologia está a ponto de pôr um ponto final a esse capítulo da história. Este ano poderia ser o ano zero e um novo começo no calendário cubano. Porém, em vez de pessoas com bandeiras nas praças, de jovens entusiasmados gritando palavras de ordem ou de fotos épicas, o que se percebe por todos os lados é o cansaço: a atitude sigilosa de milhões de pessoas que tiveram o seu entusiasmo atrofiado depois de uma longuíssima espera.
A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa "La voz de tus derechos" no canal de TV da DW em espanhol.
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A vida de Fidel Castro em imagens
Mesmo após abdicar do poder, Fidel Castro permaneceu sendo uma presença marcante. Não só em Cuba: admirado ou atacado, o líder revolucionário merece integrar a seleta galeria dos grandes mitos da política mundial.
Foto: AP
Educação jesuítica
Esta foto data de 1940, época em que Fidel Castro estudava no Colégio de Dolores, dirigido por jesuítas. Aos 14 anos, ninguém poderia prever como transcorreria sua biografia. Ainda assim, ele se destacava entre seus companheiros em Santiago de Cuba, sobretudo pela inteligência e aptidão oratória.
Foto: picture-alliance/dpa/Jose Maria Patac
Aluno destacado
Nascido no povoado cubano de Birán em 13 de agosto de 1926, Fidel Castro Ruz queria chegar longe. Seus pais, imigrantes da Galícia, eram bem estabelecidos, e Fidel desfrutou de uma boa educação. Esta foto é de 1945, quando finalizou o bacharelado. O anuário do colégio o descreve como um "aluno destacado e bom esportista". Cinco anos mais tarde, formava-se como advogado.
Foto: AP
Luta contra Batista
Sua candidatura como deputado, em 1952, foi frustrada pelo golpe de Estado do general Fulgencio Batista. Tendo tentado combatê-lo nos tribunais, Castro logo passou à luta armada. Depois do assalto fracassado ao quartel de Moncada, da prisão, anistia e temporada no exterior, ele retornou clandestinamente a Cuba. Em Sierra Maestra, onde começou a luta de guerrilhas, foi tirada esta foto, em 1958.
Foto: AP
A Revolução triunfa
Vitórias dos guerrilheiros custaram a Batista o apoio militar e o forçaram a fugir. Em 1º de janeiro de 1959, a Revolução celebrava vitória. No mês seguinte, Castro foi nomeado primeiro-ministro pelo novo presidente, Manuel Urrutia. Devido a diferenças com o líder revolucionário, ele renunciou em meados do ano, sendo substituído em Havana por Osvaldo Dorticós, que confiou o poder a Fidel Castro.
Foto: AP
Baía dos Porcos
A tensão entre Cuba e os EUA aumenta à medida que as desapropriações na ilha afetam os interesses americanos. Washington responde com embargo amplo, e em 3 de janeiro de 1961 rompe relações diplomáticas com Havana. Em abril, 1.500 exilados cubanos apoiados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos, com o intento de derrubar Castro. Este dirige a contraofensiva, e a invasão fracassa após três dias.
Foto: AP
Crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", dizia Nikita Krushchev em 1960. Moscou reatou relações diplomáticas com Cuba, interrompidas desde 1952, e incrementou seu apoio. A descoberta pelos EUA de bases nucleares soviéticas na ilha desencadeou a "crise dos mísseis". A URSS só cedeu com a promessa de John Kennedy de não invadir Cuba e também de desmontar as bases americanas na Turquia.
Foto: imago/UIG
Laços na América Latina
O episódio da Baía dos Porcos acelerara a proclamação do caráter marxista-leninista da Revolução Cubana. Em resposta, a OEA expulsou de suas alas o país, isolando-o. Mas não indefinidamente, pois a esquerda avançava em outros Estados da América Latina. Em 1971, Fidel Castro foi recebido pelo presidente chileno Salvador Allende (foto), que dois anos mais tarde seria derrubado por Augusto Pinochet.
Foto: AFP/Getty Images
Hora de Perestroika
A ascensão de Mikhail Gorbatchov ao poder, em 1985, marcou uma nova era em Moscou, de Glasnost e Perestroika. A "Cortina de Ferro" começou a ser perfurada, até se despedaçar; o império soviético acabou por cair. Sem sua principal base de sustento no exterior, Cuba precipitou-se em aguda crise. Milhares tentaram fugir para Miami em botes precários. Para muitos, era certo o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
Visita papal
Um decreto do papa Pio 12 proibia a todos os católicos apoiar os regimes comunistas. Em consequência, o Vaticano havia excomungado Fidel em janeiro de 1962. Com o fim da Guerra Fria, contudo, chegou também o momento da reaproximação. Em 1996, Castro visitou João Paulo 2º, que lhe retribuiu a visita dois anos mais tarde, num gesto considerado histórico.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
Jimmy Carter em Cuba
Houvera poucos momentos de distensão em Washington e Havana desde1962, quando os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro a Cuba. Um dos poucos sinais nessa direção foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter em 2002, com o fim de encontrar pontos de aproximação. Mas seus esforços tampouco trouxeram mudanças substanciais a Havana.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
Nova cara da Revolução
A partir da década de 90, Cuba deixou de ser vista como perigosa exportadora de revoluções. Com a estrepitosa queda do Bloco Soviético, as ideologias de esquerda naufragavam. Mas, na Venezuela, assumiu ao poder um dirigente disposto a propagar o que denominava de "Revolução Bolivariana": Hugo Chávez, admirador declarado de Fidel, ofereceu a Havana respaldo efetivo, além de apoio econômico.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Entrega de poder
A enfermidade forçou Fidel a abandonar o poder formal, que entregou nas mãos do irmão Raúl Castro. Tudo para evitar uma guinada radical num sistema que – apesar de todos os avanços na educação e saúde – cobrava de seus cidadãos o alto preço da repressão e perda de liberdade. Enquanto apontavam os primeiros vislumbres de mudança, Fidel Castro ia se despedindo, embora defendendo sua visão até o fim.