Os protestos no Irã são resultado de um acúmulo de problemas não resolvidos. Aconteça o que acontecer, o ressentimento no Irã está aumentando, e as pessoas querem ver uma transformação, opina Mostafa Malekan.
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Há pelo menos dois anos, muitos especialistas no Irã vinham alertando que o acúmulo de problemas econômicos, sociais e políticos poderia levar a uma insurreição popular. Agora, as previsões alarmantes se tornaram realidade: a pressão das muitas misérias levou as pessoas às ruas.
Quatro décadas de "República Islâmica" deixaram sua marca. Mais de 40% dos 80 milhões de habitantes vivem abaixo da linha de pobreza relativa. Em algumas áreas rurais, a taxa é ainda maior, de 60% a 70%. Ao menos 11 milhões de pessoas vivem em favelas ao redor das grandes cidades, e ao menos uma entre quatro pessoas com idades entre 15 e 24 anos – inclusive universitários – está desempregada.
Paradoxalmente, em linhas gerais, o Irã é um país próspero. Exportações de petróleo garantiram quase 700 bilhões de dólares ao país durante os oito anos em que Mahmoud Ahmadinejad foi presidente, entre 2005 e 2013.
Mas, naturalmente, o dinheiro não foi usado para combater a pobreza ou o desemprego. Grande parte foi investida em instituições religiosas e ideológicas próximas ao Estado e que apoiam o sistema. Enormes quantias foram destinadas aos programas nuclear e de mísseis. Bilhões de dólares foram gastos no apoio ao presidente sírio, Bashar al-Assad, ao movimento hisbolá, ao Líbano, às forças de mobilização popular xiitas no Iraque e aos rebeldes xiitas houthis, no Iêmen.
Ao mesmo tempo, dezenas de milhares de projetos de desenvolvimento no Irã ficaram paralisados, simplesmente por falta de dinheiro. Se apenas uma pequena parcela desses recursos financeiros internacionais tivesse sido usada para esses projetos, muitos jovens iranianos e iranianas que atualmente procuram emprego teriam uma ocupação.
Antes da eleição presidencial de 2013, no auge da crise nuclear, o atual presidente, Hassan Rohani, fez campanha com os dizeres: "As centrífugas precisam girar, mas a roda da vida também." Ele prometeu resolver tanto a crise nuclear com o Ocidente quanto os problemas cotidianos da população.
Rohani conseguiu encontrar uma solução razoável para a crise nuclear, mas mal se percebe qualquer melhora nos problemas existenciais e econômicos do povo. As razões são múltiplas: a economia estatizada e altamente ineficiente; a falta de apoio do líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, ao acordo nuclear; a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos; a cooperação hesitante da Europa com o Irã; e tensões regionais crescentes – particularmente com a Arábia Saudita – agravaram a situação. Rohani não cumpriu sua promessa.
Os protestos atuais podem ter sido desencadeados por demandas econômicas, mas rapidamente se tornaram políticos. Num primeiro momento, as pessoas protestaram contra as altas de preços e contra o governo Rohani. Mas, rapidamente, passou-se a questionar o sistema. O povo perdeu completamente a confiança nas instituições do Estado. É por isso que os protestos, que chegaram a resultar em confrontos violentos, se alastraram tão rapidamente.
Os protestos foram claramente causados por uma combinação de pobreza e desemprego, de um lado, e de falta de confiança no governo e suas instituições, do outro. Mesmo assim, por enquanto, as manifestações têm sido protagonizadas pela parcela pobre da população urbana do Irã. Dissidentes com influência política e cultural ainda não aderiram.
O governo pode usar da violência para esmagar os protestos, pelo menos enquanto nenhuma outra parte de uma sociedade iraniana insatisfeita for às ruas. No curto prazo, isso pode levar a um aumento do poder de círculos militares e de conservadores linha-dura, mas não vai mudar em nada o fato de que as frustrações das pessoas continuarão crescendo e de que aqueles que exigem mudanças ganharão força – dia após dia.
O comentarista da DW é descendente de iranianos. Por medo de represálias, ele optou por usar um pseudônimo.
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Os 11 dias da Revolução Islâmica
No início de 1979, o xá Reza Pahlavi era derrubado no Irã. A Revolução Islâmica transformou a monarquia de até então num Estado religioso liderado por um sacerdote muçulmano. O clímax da revolução em imagens.
Foto: akairan.com
Retorno a Teerã
1º de fevereiro de 1979: O aiatolá Ruhollah Khomeini retorna do exílio em Paris para Teerã. Ele é recebido com júbilo pela população no aeroporto. Durante anos, criticara o xá e sua elite política, pela repressão dos dissidentes; pela "ocidentalização" do Irã – aos olhos de Khomeini, excessiva; e, acima de tudo, por seu estilo de vida dissoluto, de luxo decadente.
Foto: akairan.com
À espera do salvador
Cerca de 4 milhões de iranianos aguardaram para saudar a procissão de veículos que levou Khomeini nesse dia até o cemitério central Behesht-e Zahra, onde ele faria seu discurso de chegada. Há quase um ano ocorriam manifestações de massa quase diárias contra o regime do xá. Desde agosto de 1978, greves gerais organizadas pela oposição paralisavam repetidamente a economia do país.
Foto: Getty Images/Afp/Gabriel Duval
Fora com o xá
O xá Reza Pahlavi já havia deixado o Irã em 16 de janeiro de 1979. Pouco antes, na Conferência de Guadalupe, ele perdera o apoio dos mais importantes governantes ocidentais, que preferiram procurar o diálogo com Khomeini. O então presidente americano, Jimmy Carter, aproveitou a ocasião para convidar o xá aos Estados Unidos, por tempo indeterminado. Ele aceitou.
Foto: fanous.com
Premiê isolado
Antes, o xá nomeara, como primeiro-ministro interino, Shapur Bakhtiar, figura de liderança da oposicionista Frente Nacional. O governante pretendia assim abrandar seus inimigos, mas sem sucesso. Bakhtiar ficou isolado dentro de seu partido por ter sido nomeado pelo xá, enquanto seus correligionários já haviam concordado em só colaborar com Khomeini.
Foto: akairan.com
Declaração de combate no cemitério
Já ao desembarcar em Teerã, o aiatolá declarou que não reconhecia o governo de Shapur Bakhtiar. Ele partiu direto do aeroporto para o cemitério central, onde fez um discurso beligerante, negando a legitimidade da monarquia e do Parlamento: ele próprio definiria o novo governo do Irã, prometeu Khomeini.
Foto: atraknews.com
Tumultos em todo o país
Em Teerã e outras cidades iranianas, os enfrentamentos violentos entre os revolucionários e os adeptos do xá prosseguiram, mesmo depois da chegada de Khomeini a Teerã. Durante dias permaneceu indefinido quem venceria os combates. Os militares decretaram toque de recolher, que praticamente nenhum iraniano respeitou.
Foto: akairan.com
Premiê interino
Em 5 de fevereiro de 1979, Khomeini entregou a chefia de governo interina a Mehdi Bazargan, da Frente Nacional. De início, parecia que o clero iria colaborar como a oposição liberal. No entanto, logo emergiram conflitos entre os dois grupos. Em 5 de novembro, Bazargan renunciou, em reação à tomada de reféns na embaixada americana em Teerã, ato tolerado por Khomeini.
Foto: akairan.com
Festejando a queda
Após a nomeação de Bazargan, numerosos cidadãos foram às ruas com a intenção de derrubar o governo interino. As Forças Armadas declararam não querer se envolver na luta de poder, privando Shapur Bakhtiar de qualquer tipo de cobertura. Ele teve que fugir da própria casa diante dos partidários armados de Khomeini. Em abril de 1979 exilou-se na França.
Foto: akairan.com
Saudação militar
Honras militares para o líder religioso: uma tropa de elite da Força Aérea iraniana saúda o aiatolá Khomeini. Os oficiais da aeronáutica, os homafaran, tiveram participação decisiva na revolução, permitindo à população o acesso a seus arsenais de munição, para a derrubada do regime de Pahlavi. Em 9 de fevereiro, a guarda imperial ainda tentou uma última reação, ao atacar uma base dos homafaran.
Foto: Mehr
Queda de monarquia
A partir daí, alastraram-se as lutas armadas entre a guarda imperial e a população. Em 11 de fevereiro de 1979 o colapso da ordem foi total: revolucionários ocuparam o Parlamento, o senado, a TV e outros órgãos estatais. Pouco mais tarde anunciava-se a derrubada da monarquia. Até hoje, o 11 de fevereiro é dia da "Revolução Islâmica" no Irã.