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Opinião: México precisa encarar a verdade

7 de setembro de 2015

O relatório sobre o desaparecimento dos 43 estudantes de Iguala revela o fracasso das instituições investigativas e, acima de tudo, os equívocos do governo, opina Uta Thofern, chefe do Departamento América Latina da DW.

Uta Thofern, chefe do Departamento América Latina da DWFoto: Bettina Volke Fotografie

Não é a primeira vez que tal coisa acontece. Então, não é nenhuma surpresa os especialistas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) terem declarado como insustentável a narrativa oficial dos eventos em Iguala.

Já há meses médicos forenses haviam apresentado dúvidas sobre a versão da Procuradoria-Geral – os parentes dos 43 estudantes desaparecidos a haviam rejeitado terminantemente desde o início. A comissão nacional mexicana de direitos humanos acusou os órgãos encarregados das investigações de graves omissões, enquanto há apenas poucas semanas os peritos da CIDH reclamaram da falta de apoio a suas atividades.

O padrão de comportamento também já é conhecido: uma placidez burocrática que chega a ser irritante. No liberal México tudo transcorre em ritmo socialista. Assim, desta vez o presidente Enrique Peña Nieto comunicou que as constatações do grupo de especialistas deverão ser levadas em consideração nas investigações – via Twitter. Ao que tudo indica, o assunto não é digno de uma coletiva de imprensa. Tudo, menos levantar ainda mais poeira, parece ter se tornado o lema do governo encabeçado por Peña Nieto.

Contudo, Iguala é mais do que um caso de desaparecimento especialmente trágico, entre tantos. Quando, numa sociedade, o crime vira parte do cotidiano, e a impunidade se torna caso normal, aí "Estado de direita" se transforma em palavra estrangeira, e a democracia, em ilusão – pelo menos para a maioria, que não tem como financiar um guarda-costas, nem se corrompe por mais riqueza e segurança. Ou que nem ao menos tem a possibilidade de ser subornada.

Iguala representa tudo isso.

Os 43 estudantes passaram a ser símbolo para quase 25 mil outros desaparecidos, para corrupção, violência, assassinatos de jornalistas, para os mortos da guerra do narcotráfico travada pelos antecessores de Peña Nieto, assim como para todos erros reais e supostos de seu próprio governo. O presidente certamente considera esse fato injusto – e, até certo ponto, esse é até o caso –, mas é preciso ele finalmente encarar todas as consequências de suas ações.

As reformas econômicas e do ensino de Enrique Peña Nieto de nada servem nesta crise, e as leis com que seu governo tem tentado debelá-la, nos últimos meses, são praticamente nulas, sem um sistema confiável de Justiça e segurança. O México precisa de ajuda, em vez de ficar maquiando a própria imagem.

Na atual situação, não há lugar para orgulho nacional: o governo deveria pedir apoio às Nações Unidas. A planejada cooperação de segurança com a Alemanha pode ajudar, mas faria bem mais sentido aplicá-la no contexto de uma ação internacional – por exemplo, nos moldes da Comissão Internacional contra a Impunidade da vizinha Guatemala.

Iguala foi a gota d'água que fez transbordar um gigantesco barril. Agora, o caso representado tudo aquilo que há décadas vem dando tão errado no México, de forma dramática. A sociedade civil se ergueu contra esse estado de coisas, sem ter encontrado, até agora, uma válvula de escape política.

No momento a credibilidade da política caiu tanto, que mais nenhum partido conta com a confiança dos desesperados. Iguala também significa que desse caso depende inteiramente a aceitação da democracia no México. Essa é a verdade que o governo Peña Nieto tem de encarar.

Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.
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