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Merkel e a revolução do coronavírus

Martin Muno
Martin Muno
19 de março de 2020

Em seu primeiro comunicado televisivo extraordinário em 14 anos, a chefe de governo alemã descreveu a pandemia de covid-19 como maior desafio ao país desde 1945. E ela não está exagerando, opina Martin Muno.

Crianças assistem ao pronunciamento de Merkel na televisãoFoto: Reuters/F. Bensch

"Desde a Reunificação Alemã, não, desde a Segunda Guerra Mundial, não houve para o nosso país um desafio que dependa tanto de nossa ação conjunta solidária." A chanceler federal alemã, Angela Merkel, não é dada ao páthos. Mesmo referindo-se aos maiores desafios políticos, ela costuma falar de modo sóbrio, analítico, com reserva na escolha das palavras – como cabe à cientista formada que é. E ela é sempre otimista, como durante a crise dos refugiados: "Nós vamos conseguir."

Portanto, quando a mulher que governa a Alemanha há mais de 14 anos se dirige diretamente, pela televisão, às cidadãs e cidadãos, pela primeira vez fora do ritual discurso de Ano Novo, e quando, além disso, traça paralelos históricos com uma guerra que custou 55 milhões de vidas humanas pelo mundo e deixou a Alemanha em ruínas, quando Angela Merkel fala assim, algo está fora dos eixos.

E estamos notando isso: escolas, creches e lojas fechadas, empresas inteiras que colocam seu pessoal em férias forçadas ou trabalhando de casa, compras para estocagem, restrições sociais, desde a viagem de férias cancelada até a quarentena, marcam o nosso dia a dia. Também nas conversas entre familiares, amigos e conhecidos, quase não há outro assunto além do vírus.

Os matemáticos mostram a dimensão da ameaça ao falar de uma propagação exponencial: se no começo de março havia 130 contaminados de covid-19 na Alemanha, no momento são mais de 13 mil. Portanto a velocidade da propagação confirma os prognósticos dos cientistas. Se continuar assim, logo chegará a 100 mil ou mesmo milhões de infectados – sem falar nas cifras ocultas. E a pandemia não é uma ameaça nacional, mas mundial.

O apelo inédito de Merkel devido ao coronavírus

02:29

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Nessa situação, a chefe de governo alemã faz a única coisa certa: ela não prescreve, mas apela à nossa razão, confia que, enquanto cidadãs e cidadãos esclarecidos, vamos nos comportar à altura da situação. A palavra-chave é "distância social", algo expressado de forma mais descontraída com a hashtag #StayfFuckingHome (fiquem em casa, porra). Ou, como diz Merkel: "Não estamos condenados a aceitar passivamente a disseminação do vírus. Temos um recurso contra ela: em consideração uns aos outros, manter a distância."

A dificuldade, como também mencionou a chanceler federal, é que não vão bastar algumas semanas de pausa forçada, pois "as próximas semanas serão ainda mais duras". Vai haver mais mortos, enormes prejuízos econômicos e talvez até mesmo choques sociais.

E: teremos que abrir mão de liberdades. Para nós, enquanto sociedade, não importa onde vivamos, esse é um gigantesco desafio. Mas também pode ser uma oportunidade: desde já, o pequeno vírus coloca em evidência a incrível burrice dos grandes populistas – basta assistir aos vídeos de Donald Trump.

Desde já, aprendemos que é possível comunicar-se de forma diferente, a videotelefonia torna-se fato cotidiano. E sentimos que, de alguma forma, fazemos parte de um todo, que, também entre estranhos, solidariedade é algo que faz bem – mesmo que o respeito ao outro seja simplesmente mudar de calçada.

O filósofo Slavoj Zizek expressa com precisão o que nos espera: "A vida, mesmo que, no fim, volte à normalidade, será normal de maneira diferente da que estávamos acostumados antes do surto." Vamos aprender a levar uma vida mais frágil, sob ameaças constantes. Estamos em plena revolução – e cabe a nós definir se terá um final feliz ou não.

Por favor, mantenham-se saudáveis!
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Martin Muno Imigrante digital, interessado em questões de populismo e poder político.
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