Assim como todo novo romance do francês, seu novo livro gera polêmica. Com isso, ele coloca a literatura em foco. Ao mesmo tempo, porém, corre o perigo de se transformar em palhaço político, opina Jochen Kürten.
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É, isso ainda acontece, sim: é lançado um livro, um romance, até, e todo mundo o antecipa com alegria – ou se exaspera, ou pelo menos fica boquiaberto. Em tempos de revolução digital, não se trata de fato corriqueiro: todo ano durante a Feira de Frankfurt ou por ocasião de outros eventos ouvem-se queixas de que as pessoas não leem mais ou muito menos, e a juventude nem pensar.
O francês Michel Houellebecq é há anos um dos pesos-pesados literários. Poucos escritores causam com suas publicações tanta celeuma, tiragens tão altas e interesse midiático. Até os autores de best-sellers americanos competem com dificuldade – o que não é pouco, num mundo dominado pelos lançamentos em inglês e suas traduções.
Cada novo romance do francês gera um terremoto de médias proporções nas redações de cultura dos jornais, e às vezes ele chega até o noticiário de política. Basta pensar no romance Submissão, lançado justamente no dia do atentado ao semanário Charlie Hebdo, em Paris. Na imprensa sensacionalista, Houellebecq está, de qualquer forma, presente, em grande parte devido a sua postura pública, em geral excêntrica e por vezes provocadora.
Nenhum outro autor causa tanta polêmica com um texto de ficção. Na Alemanha, já vão longe os tempos em que um Günter Grass abalava a nação. Em comparação, os atuais autores de best-sellers como Daniel Kehlmann não passam de assunto para os cadernos culturais mais sofisticados.
Portanto se constata que a literatura impressa e acondicionada entre duas capas ainda é capaz de movimentar. Romances como o novo Sérotonine de Houellebecq são lidos e discutidos, apresentações em público de autores desse gabarito se transformam em grandes espetáculos midiáticos, também na era digital. Essa é uma boa notícia.
Porém o que isso diz sobre Michel Houellebecq e sua arte de romancista? Aí é preciso diferenciar. Mas também o que pode ser diferente, com esse autor? Excepcionalmente, que ele próprio tenha a palavra neste artigo de opinião. Na página 279 da edição alemã de seu novo romance, ele escreve, através do narrador na primeira pessoa:
"De fato, nesse ponto meu comportamento começa a escapar de mim, me é difícil conferir-lhe um sentido, e ele começa nitidamente a se afastar da minha moral genérica e, de resto, também de uma razão genérica que até então eu acreditava compartilhar."
Esse é o apelo, mas também o problema desse autor: suas figuras (e assim, claro, também seu criador) estão sob o signo da provocação, do questionamento de todas as afirmativas, de teses contraditórias entre si. Um comportamento sem sentido nem razão – possivelmente talvez até se trate de um mero jogo literário.
A literatura não precisa ser clara e definida, ela pode e deve ser contraditória e estimular a reflexão. Naturalmente Houellebecq faz isso, por isso é um grande prazer ler cada um dos romances dele. No entanto, ao provocar simplesmente por provocar, ao jogar incessantemente um jogo irônico com a própria imagem e contradições, pouco a pouco ele perde também sua credibilidade. Não como literato, mas como intelectual contemporâneo digno de ser levado a sério.
Pouco tempo atrás, Houellebecq definiu Donald Trump como um dos melhores presidentes que jamais viu. Ele falou a sério? Com o escritor francês, não se sabe. Há tempos muita gente não leva mais o presidente americano a sério. Pode ser que o mesmo se aplique a Michel Houellebecq.
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Este ano, o país convidado da Feira do Livro de Frankfurt, a maior do mundo, é a França. Conheça dez dos maiores escritores franceses da atualidade.
Foto: Imago/El Mundo
Michel Houellebecq
Ele é considerado a estrela da literatura francesa moderna e é o mais famoso escritor do país. Nenhum outro autor concentra tanto o foco da opinião política e literária como o francês nascido na ilha da Reunião em 1956. Houellebecq, que também é poeta e diretor de cinema, alcançou sucesso mundial com "Partículas elementares", de 1998.
Foto: Getty Images/AFP/E. Munoz Alvarez
Virginie Despentes
Como Houellebecq, Despentes lança um olhar cínico sobre a realidade, mas difere dele nas opiniões sobre esclarecimento e posição social da mulher. A última parte de sua trilogia "Vernon Subutex", sobre degradação social e precariedade na França, foi lançada este ano em seu país. O romance descreve as mais variadas facetas da sociedade e lhe rendeu comparações com Honoré de Balzac (1799 – 1850).
Foto: picture-alliance/dpa/J.C.Hidalgo
Yasmina Reza
Yasmina Reza é a autora francesa de maior sucesso. Encenadas internacionalmente, suas peças de teatro – como "Deus da Carnificina" – contribuíram para a sua fama. Há alguns anos, Reza também tem êxito com romances. Seu livro "Babylone", dotado com o prêmio Renaudot, mostra seus pontos fortes: um olhar de fundo sobre a sociedade, envolto num texto que entretém.
Foto: Getty Images/P. Cuadra
Tristan Garcia
Nascido em Toulouse em 1981, Garcia é mais conhecido como filósofo na França. Seu romance "Faber, le destructeur" ("Faber, o destruidor", em tradução livre) mostra que sua prosa também é brilhante. Trata-se de uma obra misteriosa e cheia de nuances sobre a juventude e a chegada da idade adulta.
Foto: Imago/Leemage
Leïla Slimani
Leïla Slimani também nasceu em 1981, em Rabat, capital do Marrocos. Também ela pertence a uma geração de jovens escritores responsável por uma ruptura na literatura francesa. Seu romance "Chanson douce" ("Canção doce") foi premiado com o Goncourt, a maior distinção literária da França, em 2016. O sucesso de crítica e público e trata de um infanticídio.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Mori
Édouard Louis
Édouard Louis já é uma estrela da literatura francesa. Aos 24 anos, publicou duas obras de sucesso. A mais recente é "Histoire de la violence" ("História da violência"), uma denúncia da marginalização de imigrantes argelinos. Louis escreve sobre a origem social, a oposição entre cidade e província, a homossexualidade e a vida no norte da França, derrocada tanto econômica quanto socialmente.
Foto: picture-alliance/dpa/E.Naranj
Didier Eribon
O filósofo Didier Eribon é próximo de Louis, que dedicou o seu primeiro romance a ele. Nascido em Reims em 1953, Eribon é um dos sociólogos mais conhecidos da França e se dedica à reflexão sobre origens e identidade – objetos de sua obra "Retour à Reims" ("Retorno a Reims"), de 2009. Eribon também é conhecido por sua biografia de Michel Foucault, publicada em 1989 e traduzida em diversas línguas.
Foto: picture-alliance/dpa/H. Galuschka
Annie Ernaux
Os livros autobiográficos de Annie Ernaux se destacam pela visão sociológica sobre o mundo. Apesar de também tratar de sua vida, a obra "Les Années" ("Os Anos"), de 2008, foi considerada "atípica" pela rádio France Inter. "Ela inventou a ficção documental através do filtro de sua própria história e conjuga memória individual e coletiva num caleidoscópio de memórias", avaliou a crítica Laura Adler.
Filósofo e professor, Jérôme Ferrari nasceu em Paris em 1968. A carreira do perspicaz tradutor e intelectual se desenvolveu na capital francesa, na Córsega, em Argel e em Abu Dabi. Os romances de Ferrari apresentam um olhar culto e original sobre a História e a sociedade. Foi premiado com o Goncourt de 2012 pelo "Sermão sobre a queda de Roma", publicado no Brasil em 2013.
Foto: picture-alliance/dpa/A.Burgi
Delphine de Vigan
A romancista e diretora de cinema Delphine de Vigan se tornou fenômeno da literatura na França com a autobiografia "Rien ne s'oppose à la nuit" ("Nada se opõe à noite", em tradução livre). De Vigan costuma analisar o papel de seus pais em suas obras. Atualmente objeto de filmagens por Roman Polanski, "Baseado em fatos reais" foi seu primeiro romance lançado no Brasil, em 2016.