Goste-se disso ou não, os eleitores dos Estados Unidos têm influência sobre a sua vida, não importa onde você more. O fato de os Estados Unidos serem uma potência mundial coloca as decisões pessoais dos americanos numa alavanca global, especialmente quando há uma guerra em curso na Europa.
Nesta terça-feira (08/11), cerca de 154 milhões de eleitores americanos decidem sobre o controle da Câmara e do Senado. E, principalmente, decidem se vão tirar do presidente Joe Biden a habilidade de governar nos dois anos que restam de seu mandato.
Se alguém ainda precisa de provas do poder global dos eleitores americanos, basta observar os olhares, digamos, temerosos de líderes da Otan com a perspectiva de que o ex-presidente Donald Trump possa concorrer novamente em 2024. Sua mais recente insinuação de que isso "muito, muito, muito provavelmente" acontecerá se espalhou mais rapidamente e teve um alcance mais amplo do que qualquer propaganda política durante essas eleições. Pleito esse que se tornou uma das eleições de meio mandato mais caras da história dos EUA, com uma estimativa total de gastos de cerca de 16 bilhões de dólares.
Muitas eleições são apertadas, mas a previsão geral é de uma "onda vermelha" devolvendo o poder aos republicanos na Câmara e no Senado. Um revés nas eleições de meio mandato para o presidente em exercício é percebido como parte do ciclo normal da política dos EUA.
No entanto, nada é "normal" nestas eleições. Principalmente porque os americanos vão decidir sobre a manutenção do atual rumo pró-democracia, ou porque o ódio e a desconfiança entre os republicanos de Trump, conhecidos como Maga (do slogan Make America Great Again), e praticamente todos os demais já são tão grandes que aqueles não aceitarão a derrota, não importa o resultado da contagem dos votos.
Trump ainda insiste que ganhou
Até hoje, Trump insiste que ele, e não Biden, deveria estar na Casa Branca. Isso apesar de um grupo de advogados eleitorais dos próprios republicanos ter concluído que a votação foi "perdida e não roubada". Os alertas deles de que minar a confiança nas eleições ameaça a própria democracia dos EUA foram ignorados. O dano está feito. Embora a confiança geral nas eleições ainda seja alta, cerca de um quarto dos republicanos não confia mais no sistema eleitoral. E uma nova geração de líderes republicanos do Make America Great Again está colocando mais lenha na fogueira.
Cerca de 300 candidatos que alegam fraude eleitoral em 2020 concorrem pelos republicanos este ano, e Trump apoia pessoalmente negacionistas que compartilham da sua mentira de que a eleição foi um "grande roubo". Como a ex-apresentadora Kari Lake, candidata republicano para o governo do estado do Arizona. Ela diz que Biden não deveria estar na Casa Branca. Lake está convencida de ter sido "escolhida por Deus" e deixou claro que só vai aceitar a própria vitória como resultado legítimo das eleições. Suas aparições eloquentes e ataques descarados aos antigos colegas da mídia já a colocam como potencial aliada de Trump em 2024.
Em 2020, Trump não conseguiu que a Justiça eleitoral "encontrasse para ele" os votos de que precisava. Com a real possibilidade de que negacionistas da vitória de Biden possam ser escolhidos para cargos públicos relevantes em 27 estados, eles poderão ser responsáveis por organizar, certificar ou contestar a eleição presidencial de 2024. Como resultado, "encontrar votos" por meio de certificação poderá se tornar objeto de negociação, no lugar da contagem real de votos.
Semear desconfiança e ódio
E há uma grande divisão que ameaça a confiança dos americanos uns nos outros. A população americana vive cada vez mais em duas realidades paralelas, de acordo com o campo político de cada um. Apesar de compartilharem preocupações como o aumento dos preços e da criminalidade, essas questões que poderiam unir dividem ainda mais.
As tentativas dos democratas de suavizar o baque econômico sofrido pela população mais pobre são "socialismo" para os republicanos. E enquanto a resposta dos republicanos ao crime é mais armas, os democratas veem na criminalidade um motivo para restringir a posse de armas.
É só falar com senadores ou membros da Casa Branca a portas fechadas que eles lamentarão a erosão de qualquer base comum para o debate. Se ser visto buscando um compromisso significa suicídio político, as únicas coisas que florescem são a desconfiança e o ódio.
A menos que a pouco visível maioria silenciosa comece a defender os Estados Unidos nas urnas, é possível que ela logo encontre seu país nas mãos de pessoas que só querem defender a própria liberdade quando falam em "nós, o povo", e não a liberdade de outros. Isso valeria para os aliados americanos na Ucrânia ou em outros locais da Europa e também além.
No fim das contas, cada voto destas eleições vai influenciar como os Estados Unidos reformulam sua esfera de interesses e influência numa ordem global em mudança.
Michaela Küfner é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.